JOSÉ E LEONOR - Carlos Cedano

 


JOSÉ E LEONOR
Carlos Cedano

José era o escravo do Fazendeiro João de Deus, como seu pai, nasceu escravo e começou a trabalhar desde os doze anos de idade colhendo cana. Quando  completou  21 ele já era alto, muito alto comparado aos outros, e muito forte. Era um trabalhador incansável e o que mais produzia!

Havia uma parte de sua vida que mantinha o mais discreta possível: seu namoro com Leonor, a negra esguia, de andar requebrado, de sorriso permanente e nariz arrebitado! Conheciam-se desde crianças e o destino os uniu desde então!

Leonor atraia a atenção e cobiça de muitos brancos, mas sua única paixão, seu mundo todo, sua adoração era seu homem! Era Deus no céu e José na terra! Era esse amor sem condições e o paraíso que era suas vidas o que os fazia suportar  a situação de escravos.

Um dia a tragédia bateu  à porta! João estava na roça e Leonor sozinha. Marcos, filho do dono, sempre à espreita, irrompeu no único cômodo da casa e surpreendeu Leonor, agarrou-a a força, ela reagiu como uma fera encurralada, arranhou, mordeu e usou tudo seu valor para defender-se do ataque covarde.  Foi tanta a vontade de lutar que viu o desalmado no rosto de Leonor, que apelou à peixeira que levava no cinto e a tragédia se consumou!

Quando José chegou e entrou no casebre o inferno bateu no seu rosto, a cena era dantesca e paralisante. Viu sua mulher que ainda respirava e a abraçou-a com cuidado, ela abriu seus olhos e nos estertores da morte sussurrou apenas: foi o Marcos! Depois, com tristeza José percebeu que Leonor já não era mais deste mundo! Esperou a noite fechar mais, logo pegou seu fação e iniciou sua marcha até a casa-grande.

Cinco quilômetros o separavam de seu destino e nos primeiros passos escutou o piar triste da coruja anunciando a presença da morte, continuou andando e foi relembrando a vida deles desde que se conheceram. As cenas passavam frente a seus olhos porem, seu pesar insistia em cutucar sua dor provocando uma gangorra de emoções entre a tristeza e o bálsamo de suas lembranças. 

A primeira recordação foi quando, ela com seis anos e ele com dez, a pequena neguinha se escondia atrás da mãe agarrada à saia, apenas assomava o rosto, José a viu e sorriu pra ela que correu envergonhada temendo ter traído seus sentimentos! Aos poucos ficaram amigos e inseparáveis desde esse então!

No avançar dos anos José ensinou-lhe a colher o mel das abelhas nativas, subir em árvores e cortar a cana. Com ele perdeu o medo de nadar no rio. Já adolescente e ele com dezoito anos se beijaram pela primeira, José “roubou” dela esse beijo com ternura e ficaram abraçados por alguns minutos entre sorrisos e lágrimas de felicidade. Era a descoberta do amor na sua forma mais pura!

Pouco tempo depois tiveram sua primeira noite e Leonor se sentiu a mulher mais afortunada do mundo e assim foram todos os dias nos seguintes seis anos até acontecer a tragédia!

José atingiu o topo da pequena e única colina do canavial, desde esse lugar comtemplou as luzes da casa-grande. Respirou fundo, sentiu agora a força de sua raiva que aumentou sua decisão de fazer justiça com as próprias mãos!

Quando chegou ao seu destino encontrou o filho do dono mostrando no corpo os sinais de sua infâmia e José logo lhe disse que devia pagar pela sua covardia!  Na sua arrogância o criminoso respondeu: aqui quando um branco mata uma preta ganha premio!  O assassino não teve tempo de reagir quando o escravo com um certeiro golpe de seu afiado fação acabou com a vida dele!


José sabia que sua própria vida tinha acabado nesse momento, mas sem Leonor isso já não tinha importância! 

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