A
GOVERNANTA
M. Luiza de Camargo Malina
Lembro-me do dia em que
ela chegou a minha casa. Altiva na
humildade e bela no encanto do misterioso silêncio que a envolvia. Uma meia
idade confirmada apenas nos papéis. A jovialidade vibrava nas atitudes
resolutas, remetia-me aos tempos colegiais.
Divertia-me. Na coragem
esquecida, apanhei os álbuns desgastados na cor, não na lembrança, apenas no
manuseio tentar encontrar com quem ela se parecia.
A cadeira de balanço,
pelas manhãs após a primeira refeição lia os jornais, eu nada escutava,
precisava em sua voz encontrá-la nos pequenos registros da memória. Terminadas
as notícias e os horóscopos em que ela “inventava previsões” percebi que o anzol
que jogava quase eu o agarrava. Quem sabe na próxima!
Assim se passavam dias
seguidos de semanas e meses, com a última leitura às dezenove horas de algum
pequeno conto.
A cadeira de balanço havia
sido trocada por outra com ajustes automáticos, imensa, sentia-me um rei num
trono sem rainha, ou melhor, com uma rainha destronada à espreita. Ficava na
ponta leste da imensa sala de vinte metros de comprimento, aclareada pelo sol
da manhã. Pouco caminhava. Os móveis continuavam no mesmo lugar. Já não sentia
mais o cheiro da poeira.
Os finais de semana
traziam os amigos, cada qual com notícias apimentadas às íntimas sobremesas.
O inesperado é sempre bem
vindo quando se trata de interesse pessoal esperado. Assim foi. Belinha, uma
prima da mesma idade, da mesma escola,
Qual não foi minha a
surpresa! Eu estava ainda entre o cochilo da tarde e o acordar quando ouvi
vozes familiares sendo recebidas pela Governanta, como assim gostava de ser
tratada. Muitos risos e burburinhos de reencontros. Sons conhecidos.
Um turbilhão e a mente com
óculos de grau altíssimo desvendou o mistério – Elizabeth – Elizabeth esteve o
tempo todo ao meu lado, acabei de fisgar o anzol.
Anzol que estava enroscado na pedra das
lembranças da mocidade. O leve facho de luz, diria, um pequeno milagre fez com
que a tênue visão retornasse.
“Foi o sorriso dela, foi a voz macia e rouca, foi o seu olhar sereno,
que me devolveu a vida”.
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