Piauí em Paris - Jose Vicente J. de Camargo



Piauí em Paris
Jose Vicente J. de Camargo                                     

Tenho bem guardado na memória os passeios que fazia aos domingos com meus pais e irmãos no sitio arqueológico de São Raimundo Nonato na caatinga piauiense. O ponto alto era a visita ‘as  grutas e cavernas com as pinturas rupestres nos quais nossos antepassados de milhares de anos atrás deixaram registrados vestígios de seus costumes, hábitos e animais com os quais conviviam e caçavam, formando o mais importante patrimônio pré-histórico das Américas. Meu pai, filho da terra, mostrava com orgulho os desenhos pintados nas paredes, que eu admirava por serem bem parecidos aos que desenhava nos cadernos da escola e, portanto, por ligação, ficava feliz com o orgulho paterno.
E foi numa dessas visitas, que tomei a decisão de que queria estudar Paleontologia ─ palavra difícil que decorei sem gaguejar de tanto meu pai repeti-la como a mais bela e culta das profissões.

O pobre velho, humilde funcionário público da prefeitura de São Raimundo, não mediu esforços ─ hipotecou os poucos bens que tinha ─ e minha mãe ─ aumentou as horas junto ao tacho de cobre na feitura dos doces caseiros vendidos aos visitantes do Parque Arqueológico ─ para ter pelo menos um de seus filhos com o diploma da ciência que estuda os homens primitivos.

Quando voltava da capital, onde cursava a faculdade, para visitar a família ─ somente possível nas festas de fim de ano dado ao custo da passagem e aos vários bicos que fazia para ajudar na despesa financeira  ─ meus pais faziam questão de desfilarem comigo pelas casas dos parentes e amigos como se fosse um estandarte bordado a fios de ouro estampando a máxima cátedra acadêmica. Sentia que esse orgulho dos dois compensava todas as dores físicas e dificuldades financeiras que passavam e, portanto não os podia negar.

Mas minha vontade mesmo era estar analisando nos mínimos detalhes as pinturas rupestres gravadas nas rochas, principalmente descobrir novos sítios escondidos nas inúmeras cavernas da região. Sonhava em encontrar vestígios que ajudassem na teoria ainda incerta de onde e por quais rotas entraram os homens pré-históricos na América: se da Ásia pelo estreito de Bering, ou da África quando os continentes eram unidos.

E foi com esses desejos que, ao concluir a faculdade, apresentei um trabalho de mestrado que foi aprovado com louvor e, graças a ele, ganhei uma bolsa de estudo do governo francês para um doutoramento na universidade de Paris.

Viajar é bom, mas a experiência de viver num país com quase tudo diferente do que estava acostumado antes, não tem preço. E essa era a minha sensação, após alguns meses já vivendo na cidade luz, quando numa noite, uma amiga francesa me convida para um bistrô do Quartier Latin.

Uma surpresa! Me diz, sem querer entrar em maiores detalhes.

Lá chegando me apresenta um brasileiro de passagem, a procura de conterrâneos que possam lhe dar informações sobre a adaptação longe da pátria mãe. Apresentou-se como carioca ─ fazendo questão de frisar da gema, legítimo posto 6 ─ e  possuidor de vários prêmios jornalísticos recebidos por reportagens em diversas partes do planeta. Acabara de chegar de um périplo por diversas capitais europeias onde entrevistara a nata da intelectualidade acadêmica brasileira, já que sua reportagem foi contratada por uma famosa rede televisiva nacional.

Enquanto expunha os perigos que já passara nas reportagens de guerra, me lembrei de meu pai, que quando deparava com um sujeito muito garganta, que só conta lorotas, dizia:

─ Esse é daqueles que come sardinha e rota garoupa!

Ou então minha mãe, quando via uma senhora com andar bamboleante no seu salto Luiz XV:

Amanhã tá de tamanco na barraca da feira!

Percebendo minha abstração ─ com certeza decepcionante para ele ─ me pergunta:

─ Diga-me, de que parte do Brasil você é?

Ao ouvir de São Raimundo Nonato no Piauí, põe-se a rir de uma forma extravagante e pedante:

─ Hahahahahaha... Hahahahaha... De Piauí? Hahahahaha...

Olhei para a minha amiga que, como eu, não entendia o que havia de tão cômico para se de rir daquela maneira, como se a piada, se é que existisse uma, fosse das bem cabeludas...

─ De Piauí, Hahahaha... Mas, o que tem Piauí para uma pessoa formada como você viver lá? Me indaga

E convicto retruco:

─ Tem um povo muito gentil, acolhedor, lindas praias, boa comida, rico folclore, e uma coisa que me agrada muitíssimo, principalmente numa hora como essa, que me dá vontade de lá estar:

─ Não tem carioca! E os raros que chegam, o pessoal gentilmente oferece o prato típico: buchada de bode refogada com óleo de dendê e pimenta malagueta.

─ É tiro e queda... O bichinho cospe fogo e corre que nem foguete pro banheiro mais próximo. Nunca mais volta...

O visitante encerrou ali a entrevista. Disse não poder ir mais ao show combinado do “Cirque du Soleil” por ter se lembrado de última hora de um rendevou e saiu de fininho...

Foi a vez de minha amiga e eu rirmos as gargalhadas degustando um excelente Bordeau e pedirmos a especialidade da casa :


─ Garçon! Un quiche Lorraine s’il vous plaît...

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