Baronesa
de Sabugosa
José Vicente J. de Camargo
O campinho de futebol de
todas as tardes após as aulas do Grupo Escolar ficava em frente ao solário da
baronesa. A molecada do bairro começava a se reunir as três da tarde à medida
que ia terminando a lição de casa e ganhando das mães a licença pra pelada.
Um dos participantes era
Alfredinho, filho da cozinheira da baronesa e muito amigo de todos, pois,
sempre trazia uns petiscos que estavam dando sopa na geladeira e na dispensa da
cozinha. Em troca pedia para jogar no ataque e se livrar do gol onde, pelo seu
porte avantajado, era a posição reservada a ele pelo capitão do time.
Na espera da chegada de
todos, nos intervalos e nos finais das partidas, enquanto mastigavam os “comes”
trazidos por Alfredinho, comentavam os mexericos ouvidos das mães, pais e irmãos
sobre o pessoal do bairro principalmente da mulherada. Quanto mais cabeluda
fosse ─ daquelas de pular a cerca, pegar em fragrante no agarra-agarra, aborto
forçado, sair do armário ─ mais admiração o contador recebia, com direito de
levar pra casa a revista ou as figurinhas de sacanagem roubadas de irmãos desatentos.
Nesse conta-conta picante,
Alfredinho não deixava por menos e entrava logo com os falatórios que ouvia das empregadas da baronesa,
inclusive sua mãe, sobre as visitas que recebia, dos cavalheiros
desacompanhados, quem por último saía. Pelo tamanho do decote usado, pelo menu
servido, pelo lugar reservado na mesa, os serviçais já sabiam se a visita era
mais ou menos a preferida da fidalga. A curiosidade se multiplicou quando
contou a história da copeira:
Após servir varias doses
de absinto a um conviva, ouviu- o comentar com outro, que de baronesa ela só
tinha o nome, já que a fama, nos confins do sertão da Paraíba onde nasceu e
viveu até se amigar com o Coronel Medeiros de quem herdou os bens e o título
falso, era de boa de cama e tão fogosa que a apelidaram de “Baronesa de
Sabugosa” dado ao apreço que tinha por um bom sabugo no rabo. Boatos de sua
participação no “nó nas tripas” que vitimou o Coronel também iam se alastrando
até que ela, ameaçada pelos herdeiros legítimos do Coronel, foi obrigada a
mudar-se o mais longe possível vindo parar nessas bandas de cá.
Aqui se fez mecenas da
igreja, benfeitora dos miseráveis, dama respeitável como se o passado em pó
virar pudesse. Mas coitado daquele que tentar mexer nesse vespeiro. Manda logo
recado para uns jagunços que lhe devem favores, pra atravessar a faca no bucho
do atrevido.
Ouvindo isso, o capitão do
time vibrando anuncia:
─ Tenho um plano! Vamos pegar
a tal baronesa no pulo...
Já que ela tá tramando com
o prefeito de fechar o campinho de futebol pelas algazarras e brigas que
perturbam sua sesta, vamos desmascará-la de sua falsa nobreza e moral.
Vou pedir pro meu primo
Tonico, recém- chegado do Rio, metido a conquistador de coroas e fugitivo da
policia por ter dado o golpe do baú em muitas, que se apresente a baronesa como
banqueiro interessado em investir num shopping
bem no terreno do campinho. O Alfredinho peça a sua mãe e aos demais
empregados que comentem com a patroa a noticia da chegada do novo investidor,
de boa pinta, que está a procura de um sócio e que gostaria de conhecer a
baronesa. Os demais vão espalhando a noticia em casa e pela vizinhança.
Naquela tarde a bola não
rolou e todos saíram com as tarefas que receberam na esperança do campinho
sobrevier aos caprichos da grã-fina, agora já tida como rameira do sertão das
paraíbas...
O planejado correu de
vento em popa!
A baronesa super
interessada – já sonhando com sua sesta
sem perturbações da ordem ─ mandou um
recado ao carioca investidor convidando-o para um jantar de negócios incluindo
na efeméride o prefeito, o pároco da matriz, o diretor da agência do Banco do
Brasil e alguns fazendeiros e industriais da região que ainda não estavam inadimplentes
com seus credores.
A noticia caiu como uma
luva não só na turma da pelada, já imaginando a permanência do campinho por
muitos campeonatos mais, como também no prefeito sonhando com um aumento substancial da arrecadação de
impostos, do cônego no alivio de ter enfim um patrocinador de peso para a
reforma da igreja e nos eventuais sócios que estavam mais preocupados na procura de uma taboa de salvação onde
pudessem se agarrar antes do naufrágio definitivo.
Tonico vestindo seu terno
de linho branco – passado pela mucama do hotel em retribuição aos afagos – e levando nas mãos o buque de rosas
vermelhas ─ surrupiadas da floricultura do japonês pela molecada ansiosa ─ é
recebido pela baronesa, ansiosa em saber quando se iniciaria a construção do único
shopping de toda a região.
Tonico lança a jogada
costumeira: Com charme e sotaque carioca, inicia falando do seu faro de
perdigueiro em descobrir novos negócios, onde ninguém imaginava ser possível.
Já negociou com bons lucros, da extração de água cristalina da terra
estorricada pela seca até a venda de jazigos de luxo aos jagunços das
caatingas. No Rio, sua terra natal, vai entrar na moda e iniciar a venda de
viagens a marte com parada na lua. A procura por informações já é grande e só
aguarda a confirmação dos gringos sobre a instalação das naves espaciais.
─ Que instinto
empreendedor, comenta a baronesa. É um segundo Barão de Mauá...
─ Longe de mim tal
pretensão, emenda Tonico. Mas o pessoal mais íntimo me chama de rei da
pamonha...
─ Oh! Tem negócios também
com milho? Exclama a baronesa.
─ Bastante! Acrescenta
Tonico torcendo a ponta do bigodinho aparado na medida para as cocegas
eróticas:
─ Tenho vastas plantações
de milho nos sertões da Paraíba. As minhas espigas são as mais requisitadas da
região, de bom tamanho, inclusive é muito apreciada pelas senhoras que até usam
o sabugo para...
─ Basta! Diz logo a
baronesa levantando-se ruborizada e mordendo a língua de raiva:
“Essa história de shopping
está encerrada! O jantar também!”
E chamando a copeira manda
tirar a mesa e acompanhar os visitantes até a porta.
Dia seguinte a molecada em
peso, inclusive dos bairros vizinhos, em aplausos e gritos de “gol-gol” se
acotovela em frente ao hotel para a despedida de Tonico. Este agora não foge da
polícia com os bolsos cheios da grana das matronas enganadas, mas sim dos
jagunços da baronesa com a peixeira afiada.
Mas no íntimo Tonico
respira contente lembrando-se dos tempos de infância e das peladas na várzea.
Não tinha baronesas para atrapalhar, mas seu Antônio que não podia ver bola que
não furasse a canivete pra choradeira e palavrões da meninada empobrecida:
“Alegria de criança não se
tira! É obrigação de todos oferecer e conservar”
Lembra sorrindo das frases
de seu avô, que lhe fazia estilingues para jogar pedras nas vidraças de seu
Antônio...
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