A Escapada de Jerê - Vera Lambiasi


                                                                                     


A Escapada de  Jerê 
Vera Lambiasi


Jeremias, “o bom”, era um sujeito sério, casado, com filhos, netos ...
Até que sonhou ser bisneto de Moisés. Dormindo, deu de cara com Tom Hanks, fantasiado com seu boné de Forrest Gump. E, depois da tempestuosa noite, resolveu correr na água.

Ninguém compreendia a mágica.

Sua esposa admirava sua elasticidade na ginástica matutina, ainda na cama. Deve ser a melancia, murmurava, já exausta de tanta disposição do marido. Mas correr na água?

Na piscina do clube, todos paravam boquiabertos, intrigados com o cineasta, agora atleta.

Não havia mais porteiras para a sua ambição. Imaginava atravessar o Ribeirão dos Porcos, que o levaria de volta à sua Taquaritinga.

Treinou bravamente, o cansaço fazia bem a Jerê. A melancolia, nunca mais deu sinal. Seu joelho esquerdo, completamente curado pela água morna.

Aos 72, estava em grande forma.

E começou a ser assediado pelas moças do clube. Além de corredor, escrevia com primor, e seus contos passaram a ser publicados na revista. Tímido, nem se dava conta de tamanho sucesso.

Até que uma ex-atriz, de um de seus antigos filmes, passou a procurá-lo pelo Facebook. A tal senhora não tinha papas na língua, e fazia declarações de amor em seu perfil público.

O manso Jeremias agora estava encrencado.

A sirigaita, tal qual vírus de computador, não desinstalava.

Bloqueada, passou a persegui-lo na rua, de carro preto insufilmado.

Encurralado, marcou de encontrá-la para um café.

Resolveria tudo olho-no-olho. Mataria as esperanças daquela incauta de uma vez por todas.

Na hora marcada, saiu pé-ante-pé de casa, para não dar na vista. Suava como um menino.

E, entrando na padaria, esbarrou em Joca, seu amigo de infância.

    Ahhh ... Você veio, né, seu cachorro?!


    Joca??? Seu Canalha!!!!

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