Um corpo na relva - Carlos Cedano


UM CORPO NA RELVA
Carlos Cedano

Com dezessete anos Bento já tinha decidido o que faria no restante de sua vida: seria contador de histórias e causo, como seu tio Ramiro que o incentivava. Acompanhava o tio nas suas apresentações para ouvi-lo contar suas histórias, não perdia nenhum detalhe, observava e guardava tudo!

Nas apresentações Bento “fazia” o fundo musical dedilhando os poucos acordes de violão que o tio tinha-lhe ensinado.  Quando ele decidiu deixar a profissão, o designou como seu sucessor e o fez o herdeiro de seu violão.

O rapaz já tinha suas próprias ideias! Uma delas seria ampliar o âmbito de suas apresentações, outra seria inventar novas historia e causos. Como um bom chef de cuisine que introduz aos poucos pequenas variações em seus pratos para melhorá-los, Bento continuamente aumentava novas frases e novas figuras de linguagem ou alterava passagens de sua narrativa atualizando-as. Criatividade não lhe faltava!

Nos anos seguintes visitou quase todos os município do sul de Minas e os paulistas ao longo da divisa com esse Estado. Anotou minuciosamente as datas de suas festas e principais eventos à medida que acumulava informações de suas culturas e costumes. Isto lhe permitiu estar sempre no lugar certo e na hora certa. Sua fama se consolidava, os convites não lhe faltavam e faturava alto.

Seduzia as plateias com uma estratégia simples. Criava histórias e causos específicos para os municípios mineiros onde tirava sarro e ironizava os paulistas, inversamente, fazia o mesmo com os mineiros quando visitava municípios paulistas. O pessoal delirava! Era feliz e estava no esplendor de seus trinta anos!

Mas o ponto fraco de Bento eram as mulheres, sobretudo as casadas, sua fama tinha se espalhado magoando muitos maridos. E sua verdadeira paixão era Laura, a bela e exuberante mulher da pele  cor canela que o deixava doido! Era esposa de um fazendeiro mineiro que, avisado por amigos, já estava de olho nele. Corria a boca pequena que preparava vingança. Mas Bento era vidrado nela e não desistiria de vê-la cada vez que tivesse oportunidade.

Foi também nessa época que nosso personagem começou a ter os sonhos que o preocupavam. Num deles “viu” que seu grande amigo Pedrinho, motorista de caminhão, tinha sofrido um grave acidente, comentou o sonho com alguns amigos. Horas depois chegou a notícia de sua morte, tal como Bento a tinha descrito.  Também sonhou que a esposa de outro amigo morreria durante o parto, mas não comentou com ninguém sua visão. Sonhou que seu compadre Raimundo ganharia sozinho na loteria, e seria uma bolada e tanto! Porém o sonho que o consagrou e lhe deu fama de vidente, foi quando acertou na mosca o nome dos prefeitos que não seriam reeleitos!

Essas “coincidências” começaram a preocupá-lo. Uai! Que será que me está acontecendo? Era a pergunta que se fazia e não sabia explicar!

Uma tarde sentado com dois amigos na mesa de um bar, Bento estava retraído e muito triste, com certeza algo o preocupava e isso não passou despercebido pra seus amigos:

— Que foi Bento, tá amuado, por quê? Disse um deles.

— Vai ver que a Laura não está dando bola mais pra ele, né Bento? Perguntou o outro.

Após de alguns longos minutos de silencio Bento falou:

        — Nos últimos meses tenho tido um sonho que se repete. Sempre a mesma cena nebulosa, o único que consigo distinguir vagamente é a figura de um homem nu correndo no meio de um campo verde e com uma pomba branca na mão e quando a nevoa começa a se dispersar, acordo com medo e ofegante sem reconhecer o cara. Não sei o que isso significa!

Os amigos ficaram em silêncio, não sabiam que dizer. Bento pediu licença e se retirou.

Dias depois encontraram seu cadáver estendido nu na relva e uma pomba destroçada por um tiro perto de seu corpo, a casa de Laura ficava a menos de cem metros. Foram três tiros certeiros em lugares vitais, serviço de profissional!

O primeiro suspeito foi o marido, mas constatou-se que na ultima semana estava viajando a negócios. Quando interrogaram Laura, limitou-se a chorar negando sempre que Bento tivesse estado na sua casa. Estava aterrorizada!

A morte de Bento espalhou tristeza em todos os cantos da região e seu enterro teve a presença de autoridades, parentes, amigos e muitos admiradores, porém o crime aos poucos foi caindo no esquecimento. Nunca ninguém foi acusado!


Para seus amigos mais próximos, Bento, simplesmente, morreu na sua lei!

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