Naquele reino
Fernando
Braga
Século XIX, um reino formado por um arquipélago
de 4 ilhas vulcânicas no Oceano Índico, que o rei Zulai III assumira, após a
morte de seu pai. Há 30 anos haviam se libertado do jugo inglês, que havia
perdido o interesse naquelas ilhas. Sua população era formada por nativos com
características malaia e
mestiços de colonizadores brancos. Muitas mestiças tinham um aspecto físico
privilegiado pela natureza, obra da perfeita combinação genética.
O
rei tinha um palácio, construído por seu avô duas gerações anterior, com o
beneplácito e mesmo ajuda dos antigos colonizadores.
O reinado era próspero, o povo vivia
bem, alegre, mantendo a tradição de seus costumes, suas danças e canções,
alimentando-se das frutas, pesca e caça abundantes, da agricultura, criação de
animais, principalmente bovinos, e comércio com outras ilhas e navios que ali atracavam
com frequência.
O rei Zulai III, com 50 anos, fazia um
bom governo, era querido por seu povo e há 3 anos havia perdido a esposa, que
havia lhe dado um casal de filhos. O seu filho mais velho tinha feito 23 anos
e, recentemente, havia voltado da Inglaterra onde terminara seus estudos. Seria o futuro substituto de
seu pai. O rei tinha tido várias parceiras, mas nenhuma ainda havia tocado
novamente seu coração.
Em visita a uma de suas ilhas, indo ao
mercado local, famoso pelos produtos artesanais expostos, ao passar com sua
comitiva viu uma das vendedoras, com a cabeça abaixada, braços cruzados na
frente do peito, em sinal de respeito e reverência. Parou, foi até ela, ergueu
carinhosamente sua face, olhou-a nos olhos e perguntou:
—
Qual o seu nome?
— É Ustana, majestade, sua serva! Era
uma daquelas mestiças privilegiadas.
O rei saiu, e logo disse a um de seus
conselheiros que localizasse os pais daquela moça e que viessem até seu palácio
para conversarem com ele e junto trouxessem Ustana. Tudo saiu como pediu.
Eles foram recebidos na sala principal
do palácio, onde também se encontrava um de seus conselheiros e seu filho
Kamene, recém-chegado de Londres. Logo que entrou, Ustana bateu os olhos no
rapaz e ele nela.
O conselheiro, solenemente dirigiu-se a
eles dizendo que o rei decidira se casar novamente e, que havia escolhido sua
linda filha para ser sua esposa, a futura rainha. Um pedido do rei era uma ordem e no momento...
todos concordaram.
Voltando para casa, Ustana mostrou a
seus pais que ela não queria ser nenhuma rainha, que era jovem, gostava da vida
como estava e não queria casar-se com alguém que tinha a idade de seus pais, mesmo
sendo um rei.
—
Ainda se fosse com o filho dele! Replicou ela. O pai lhe disse:
—
Então você vai ter que dizer isto na frente de sua majestade e vamos retornar
lá dentro de 10 dias, conforme ele mandou. Eu e sua mãe já concordamos, embora
sem seu aceite. Nós gostaríamos de ser os pais da futura rainha.
Foi de tal maneira pressionada pelos pais,
vizinhos e amigos que não restou alternativa.
Após 10 dias uma carruagem especial veio
apanhá-los em casa para embarcarem na fragata real e depois levá-los até o
palácio. Frente à aceitação, enquanto os pais permaneciam sentados, o rei pegou
em sua mão, para irem conversar e durante uma hora, expôs o que pensava, o que
sentia e o desejo de fazê-la muito feliz. Ele era realmente persuasivo e
delicado. Ela se conformou, ou melhor, mostrou plena vontade de realizar o
desejo de sua majestade.
Durante três dias as festividades
tomaram conta das ilhas. Governadores, presidentes e até representantes do Império
Britânico, vieram participar da cerimônia.
Assim, Ustana tornou-se a segunda esposa de Zulai
III.
Mudou
sua vida e a de sua família, que tornou-se importante no meio, mudando-se para a ilha da
capital, do palácio real, o qual podiam frequentar.
Nas
dependências do palácio, principalmente do magnífico jardim ela passava a maior
parte de seu dia, onde ocasionalmente encontrava Kamene, o filho do rei. Conversavam
animadamente e por vezes se tocavam.
Ela
só não gostava era de ir para sua cama, ocasião em que o rei gostava de abraçá-la,
beijá-la e ...Tinha que se sujeitar!
Começou
ela, a ter seus pensamentos em Kamene e a facilitar seus encontros com o jovem.
Sabia onde mais frequentemente estava e
procurava colocar-se em seu caminho, como coincidência. Ele já fazia
importantes funções dentro do governo de seu pai, mas tinha suas horas vagas.
O
rei sempre se apresentava junto com sua jovem e bela esposa em seus frequentes
compromissos por suas ilhas e mais raramente por outros países quando era
convidado. Era invejado por seus pares.
Ustana
e Kamene passaram a se encontrar, coincidentemente, com maior frequência, nos jardins do palácio. Ela estava em um banco
lendo e logo, lá estava ele passando por ali. Ele estava em seu escritório e lá
vinha ela, oferecendo-lhe um chá com biscoitos. Não era só uma madrasta e o
filho, mas algo diferente, que pairava no ar. Quando o rei se ausentava, as
coincidências nos encontros aumentavam, e mais demorados.
Ela
frequentemente tinha os pensamentos longe: ”Será
que estou me apaixonando por este rapaz? Sinto ele bem perto de mim. Adoro
quando estamos juntos e tenho sempre a sensação de que vai me beijar! E se ele
tentar, sei que não vou resistir. Temos praticamente as mesmas idades! Sinto que
o destino favoreceu este encontro! Mas, e o rei como fica nisto? Ser traído
pela mulher e por seu próprio filho seria insuportável para ele. Aqui não tem
pena de morte, mas a população poderia nos linchar, pois amam o rei. Não
podemos entrar nesta!”
Por
sua vez, Kamene, amava e respeitava seu pai, que tudo havia lhe dado e no final
lhe passaria o trono. Mas, ele também pensava nela, com um desejo realmente
muito forte. Também achava que aquilo era coisa do destino. Cogitava: “Por que esta mulher veio parar na minha
frente? Não podia acontecer. Eu devia ter ficado em Londres e até me casar com
a Doroty, mas resolvi voltar de vez e veja o meu problema agora. Vou acabar
derrotado, vencido por meus sentimentos e sinto que estou perdendo as forças de
reação. Felizmente, até agora não aconteceu nada. Sei que ela nutre os mesmos
sentimentos por mim e que tudo depende de mim. Se eu fraquejar, baubau!”
Certa
tarde, o rei ausente por dois dias, encontraram-se no jardim e conversavam alegremente.
Em poucos minutos armou-se uma tempestade tropical e os dois estavam tão
entretidos que não perceberam. Subitamente a água desceu dos céus. Um, juntou-se
ao outro e correram para dentro de uma estufa, onde magníficas plantas exóticas
estavam presentes e agora eles, lá dentro, sozinhos, mais ninguém. Sentaram-se
em um banco e um ficou apreciando o outro, até que foram juntando seus rostos, suas
bocas e zás traz! O início do ato se consumou e depois, ali mesmo se completou,
parcialmente.
Aquela
noite, ele sorrateiramente voltou ao quarto dela e esbaldaram-se, bem na cama
do rei. Pela madrugada, levantou-se e esgueirou para seu quarto.
A
situação ficou complicada, porque quem iria segurar as coisas dali para a
frente?
No
dia seguinte, a camareira ao arrumar os quartos, observou que aquela cama da
rainha e do rei estava muito, muito desarrumada:
“Como assim, se o rei estava de viagem? Aí
tem dente de coelho! Pensou ela. “É
apenas uma observação, mas vou ficar de olho! Ele é o rei, mas ela é muito,
muito mesmo para o caminhãozinho dele.”
U. e K encontraram-se outras vezes, mas sempre
quando sua majestade viajava.
Ela já pedia ao rei para não acompanhá-lo em suas viagens. Cansava-a muito!
As relações sexuais entre o rei e ela, estavam
se distanciando, mas pensava ele:
— É a idade que vem chegando e, se desculpava.
Ela achava isto muito bom. Nunca teve desejos com ele, mas...com K! Sai de
baixo!
U
e K agora estavam perdidamente apaixonados e já sentiam que não poderiam viver
longe, um do outro, como já haviam previsto.
Quando
o rei viajava, a camareira sempre encontrava a cama naquele estado, com aquele
cheiro! Ficava de olho, até que um dia viu,
ao cair da noite, o filho do rei entrando nos aposentos da rainha. Ela havia se
retirado antes para seus aposentos, esperando-o.
“Tai! Eles estão traindo o rei, o meu rei Zulai
, o querido, o magnânimo. Se contar, o rei pode um treco, até morrer de
desgosto. Se não contar, estou também traindo o rei. Acho que vou ficar
quietinha mesmo, fingir que não sei de nada. Qualquer dia quando
eles estiverem juntos no quarto vou abrir a porta e entrar, peladinha e
participar da zorra. Morro de vontade! Seria um rendez vous, une menage a
trois, como dizem os franceses! Eles vão ter que aceitar, senão eu conto!”.
Propuseram-se
a não se encontrarem, a não ser quando o rei se ausentasse. Nada de jardim,
estufa, escritório. Alguém pode desconfiar! Seria o caos!
Chegaram
a pensar em fugirem juntos para Londres, mas ele podia ser o rei e é o que
desejava, não para ter poderes, mas para poder governar o seu povo, que tanto amava.
Tinham
que aguardar 10, talvez 20 anos, mas esse dia chegaria. Tinham a mesma idade e podiam esperar juntos. Quando o rei morresse
poderiam juntos viver, para todo o sempre. Se amavam perdidamente!
Um
dia ouviram um forte estrondo na ilha. Era o vulcão Ozocapel, da ilha mais
próxima, a expelir fumo e fogo pelas ventas! Estava inativo há 40 anos e agora
acordara, com muita fúria. O rei, pensando em seu povo, tomou suas quatro naus
e dirigiu-se para a ilha na tentativa de salvar o maior número de pessoas
possível.
Quando
se aproximavam do porto, eis que novo estrondo ocorreu e uma
terrível onda de calor varreu o mar daquela parte da ilha, incluindo as embarcação do rei. Foram mais de 500
pessoas varridas , mortas pelo vento
forte e escaldante cuspido pelo vulcão. O corpo do rei e de seus acompanhantes,
não chegou a serem encontrados.
Um
funeral, sem o corpo, foi feito em homenagem do heroico e idolatrado Zulai III.
Seu filho Kamene , agora rei Kelson II ,
tendo ao lado sua madrasta Ustana, subiu ao trono, com o juramento de zelar,
cuidar de seu povo.
O destino mais uma vez se fez presente!
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