AS TRÊS CRUZES
Oswaldo U. Lopes
A proposta era captar histórias andando pelo clube.
Não passei da primeira porta. Pela parte envidraçada dela entrevi uma cruz
branca. Era dentro do teatro. Dei a volta e sem sequer ver o céu do clube para
lá me dirigi.
Estavam
lá as três cruzes, como que num calvário simbólico. Uma pintada no cenário, no
topo de uma igreja, outra encostada num canto do palco e a terceira na coxia.
Esta era a maior e mais pesada. Não ia ser fácil carregá-la. Será que Zé do
Burro aguentaria?
A
cruz continua a ser um enorme mistério. De instrumento de tortura, rebaixamento
e morte, converteu-se num motivo de adoração e respeito. Do Bonfim ou da Agonia
impõe aos circunstantes um silencio solene.
Não
foi atoa a dificuldade dos missionários cristãos em convencer os povos
indígenas ou não cristãos, da importância e poder do Filho de Deus pregado e
moribundo numa odiosa combinação de dois paus.
Que vencedor era esse?
Que símbolo religioso era essa cruz diante da qual reis e poderosos guerreiros
se inclinavam e ajoelhavam?
Porque Zé do Burro não
podia entrar com ela na Igreja que era tida como a casa do pregado? Porque só
morto era possível entrar, agora deitado sobre ela e não a carregando?
Porque sábios,
sociólogos, antropólogos e historiadores se debruçavam sobre sua história sem
conseguir unir seus pedaços?
Os romanos a empregavam
com frequência, até como horrendo espetáculo intimidador. Quando da derrota de Espártaco, seu corpo não foi localizado, mas 6.000 de seus correligionários ex-escravos foram
capturados. Crasso os crucificou ao longo da Via Appia, um a cada 30 metros, ou
seja, ao longo de 180 km. Do ponto de vista econômico um desperdício, pois eram
escravos e como tal tinham valor monetário, mas a lei romana deixava claro que
o destino de escravos rebeldes era a cruz. Registra a história que Crasso
deixou os corpos dos 6.000 expostos na cruz para que apodrecessem e servissem
de pasto aos abutres o que tornava o espetáculo ainda mais horripilante.
O poeta queria que
enterrassem seu corpo a sombra de uma cruz, pelo que se imagina o tamanho da
cruz que esconderia do sol a sepultura.
Os góticos de hoje, carregam-na nas roupas, em cordões ou tatuadas sem por
certo conhecer-lhe a história e o que ela representa.
Os ortodoxos a
contemplam e fazem seu sinal com três dedos, os católicos romanos com quatro,
mecanicamente ou sofridamente diante de uma história repleta de simbolismo e de
conforto, mas também de sangue e lágrimas.
E Maria o que pensaria,
chorando ao pé dela. E seu Filho como o convenceram a carrega-la se ele sabia
que lá em cima iam crucifica-lo e mata-lo.
E o nosso amigo Zé do
Burro como convence-lo de que o crucificado que salvara tanta gente não podia
salvar seu amado burro. Afinal os animais também foram criados por Deus ou não?
Seu Filho salvara só o homem ou toda natureza o céu e a terra e tudo que ela
contém?
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