SOBRE GRAÇAS
Jeremias Moreira
“...as graças são muito mais abundantes
que os malefícios, no entanto, o incrédulo só enxerga as desgraças...”, foi o que Paulão conseguiu ouvir, assim
que entrou no táxi, antes do motorista desligar o rádio, virar-se para ele e perguntar:
− O
senhor acredita em Deus?
O celular de Paulão tocou! Ele pediu desculpas, deu seu rumo
e atendeu a chamada. Era o Ciro, o diretor de criação da Prolix, a agência de
publicidade da qual era redator, que precisava falar sobre um texto.
Ele conseguiu um esquema de trabalhar a distância, pela
internet, e mudara-se para a Ilha Bela. Ocasionalmente vinha para São Paulo. Programou
essa vinda para assistir a uma palestra que o navegador Amyr Klink faria no
Sesc Pompeia.
Terminou o papo, desligou o celular bem quando o táxi entrou
na Rua Clélia e parou, logo a frente, na entrada do Sesc. Pagou e enquanto
descia respondeu ao motorista:
− Sim,
acredito em Deus! −
fechou a porta e se dirigiu para a bilheteria.
Adorava velejar, por isso, assim que se divorciou de
Clarinha decidiu morar no litoral. Comprou um veleiro e vivia como sempre
sonhara.
Era fanzaço do Amyr Klink, o aventureiro que ousara
atravessar o Atlântico num barco a remo e depois passou dois anos velejando
pela Antártica e Polo Norte. Sabia tudo sobre ele. Lera os seus livros e o
acompanhava pelo Facebook. Trazia os livros para pegar seu autógrafo, após a
palestra.
Apesar de morar boa parte de sua vida na cidade, e ouvir
muito a respeito do Sesc Pompeia, não o conhecia. Impressionou-se com o projeto
arquitetônico que conservou parte original de uma antiga fábrica e mesclou com
concreto, tijolo aparente, madeira e estrutura de ferro.
Estava adiantado, então foi até a choperia comer um lanche.
Na porta cruzou com uma loura lindíssima. Sem nenhum pudor voltou-se e a
acompanhou com o olhar. O corpo escultural e o requebrado da garota eram de
tirar o chapéu. Olhou-a até que se perdesse
em direção ao teatro. “Espero que ela assista
a palestra!”
Minutos depois, ainda com a imagem e o rebolado da loira na
cabeça, foi tomar seu lugar. Achou interessante a concepção do espaço com dois
blocos de assentos de madeira, um de frente para o outro e o palco entre eles.
Quem senta de um lado avista o palco e o espectador do outro lado. Ocupou uma
das poltronas da segunda fila, no centro do bloco B. Assim que sentou-se notou
a garota loira, do outro lado, no bloco A, sentada bem a sua frente. Ouviu a
palestra com a concentração divida entre o Amyr e a loira. Sabia que a encarava
sem nenhuma discrição, que forçava a barra, mas estava mesmo afim da mulher e
queria que ela soubesse.
Terminada a palestra a garota saiu rapidamente e ele a
perdeu. Saiu da sala, vasculhou o ambiente com o olhar e nada da garota. Viu
que se formara uma fila de admiradores, que como ele, queriam que o Amyr autografasse
seus livros. Dirigiu-se para lá e qual
não foi sua surpresa ao avistar a garota. Ela também estava na fila. Postou-se atrás,
com três pessoas entre eles e ficou a espera de uma oportunidade para se aproximar.
Bem humorado, o Amyr Klink surgiu e passou a atender seus
simpatizantes. Atento, Paulão pensava numa estratégia para abordar a loira.
Mantinha um olho no gato e outro na frigideira. Nesse caso na gata.
A oportunidade surgiu quando a garota, ao ajeitar o cabelo,
deixou seu bracelete cair. O adereço rodopiou duas vezes no próprio eixo antes
de girar em sua direção e parar a seus pés.
Era a deixa!
Paulão abaixou-se com um sorriso maroto, pensou: “realmente as graças são abundantes!”.
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