Sergio Dalla Vecchia
— Fuja Zoraida, o rei já sabe de tudo! Gritou a
sua governanta.
Era o governo do rei mouro Mohamed, conhecido
como El Hayzari (O Surdo), reinado de Granada, Espanha, ano de 1445.
Rei conhecido pela sua rudeza e trapalhadas, mas
que sempre se saia bem, devido a sua coragem e destreza com as armas.
Ele foi deposto por três vezes, mas reassumia em
seguida, pois lutava com a bravura de um guerreiro nato.
O destino o fez casar-se com a filha de um alcaide
espanhol. Tomada como prisioneira por soldados muçulmanos, após a pilhagem da cidade
espanhola, da qual seu pai era o governante.
Era uma dama formosa, elegante e de fino trato.
Atributos que encantaram ao rei.
Ele logo a confiscou e a pediu em casamento,
tamanha a sua paixão.
Não foi fácil para ela, uma católica fervorosa,
ceder a um homem tosco como ele. Mesmo lhe oferecendo a condição de rainha.
Entretanto ouvindo sua conselheira de confiança (ardilosamente convencida pelo
rei para ajudá-lo) ela acabou por aceitar o pedido de casamento do apaixonado
rei Mohamed.
Assim, ela se converteu para a religião
muçulmana, casaram-se e tiveram lindas filhas trigêmeas.
Embora ele esperasse filho homem, ficou satisfeitíssimo
pela quantidade, prova de sua virilidade.
Como era de costume, quando crianças nasciam, o
astrólogo real era consultado para se saber o que lhes reservara o futuro.
O astrólogo foi enfático. Os astros indicam que
as três meninas terão uma vida longa, serão felizes e saudáveis. Entretanto sua
alteza terá de redobrar os cuidados quando elas atingirem a adolescência. Caso
o contrário, as previsões não serão boas!
Essas palavras atingiram o rei como uma flecha!
De imediato sua majestade mandou construir a
Torre mais isolada do conjunto de Castelos de Alhambra, a qual seria a moradia
oficial para as meninas princesas.
O conjunto de Castelos de Alhambra era uma
fortaleza que abrigava o ultimo reduto mouro na Espanha.
A origem do nome Alhambra possui algumas
versões:
Uma delas surgiu da palavra árabe Al Hamra (a vermelha), devido as suas
muralhas externas serem construídas com blocos de argila vermelha.
Outra é de que seu fundador era um rei ruivo,
portanto o vermelho.
A austeridade da condição de Sede de Governo era
suavizada pelos vários tipos de ambientes, que davam harmonia e beleza ao
conjunto.
Assim lá se formam as três irmãs para a torre e
por lá ficaram por muito tempo, isoladas. O pouco contato que tinham com o
mundo exterior eram os passeios pelos jardins do generalife, onde sentiam o perfume das flores, ouviam o canto dos
rouxinóis e o suave som da água nos aquedutos de irrigação.
O contato humano era apenas com a governanta,
alguns eunucos e com os pais.
O tempo foi passando e a idade da adolescência
chegou!
O rei não esquecendo as palavras do astrólogo,
resolveu aumentar a vigilância com as filhas.
Para tanto incumbiu ao seu capitão da guarda a
responsabilidade de vigiá-las.
O rei chamou as filhas à sala do trono e as
apresentou ao capitão, como sendo guardião geral da torre.
O espanto das princesas foi muito grande!
— Meu soberano rei, vossa majestade vai nos
vigiar ainda mais. Já não chega a que temos? Exclamou Zoraida ao pai.
— Ora minha querida filha, é para o bem de
vocês. Eu só penso num futuro feliz, conforme previu o astrólogo.
Omar era o nome dele. Homem de toda a confiança
do soberano. Já tinha dado varias provas de competência, coragem e fidelidade.
Zoraida era a moça que mais sentiu a presença
dos hormônios no seu corpo e nas suas atitudes. Era inquieta, sentia arrepios e
estava sempre em busca de novidades.
Ela por vezes postava-se junto a uma pequena
janela da torre, de onde se via ao longe o rio Darro. O movimento dos barcos, os jovens marinheiros, alguns sem
camisa deixando amostra os seus pelos físicos. Barcos com soldados muçulmanos.
Por vezes ela avistou soldados espanhóis prisioneiros, com um uniforme
totalmente diferente ao dos árabes. Tudo isso a deixava encantada e a fazia ter
sensações que nunca havia sentido.
As três voltaram para a torre, mas antes passaram
pelos jardins do generalife, onde
puderam comentar a novidade.
Zoraida, sempre que podia dava uma olhadinha da
janela para a entrada de torre. E lá estava ele.
Ela o examinava dos pés a cabeça com os seus curiosos
olhos negros.
A vontade de Zoraida de poder conversar com Omar
era imensa.
Até que certa ensolarada manhã ela o encontrou
nos jardins.
A proximidade daquele corpo masculino acendeu
nela o estopim da paixão. Assim seu corpo, ao som dos pássaros e ao murmúrio
das águas o escolheu como seu homem!
— Bom dia Omar! Que linda manhã. Disse com a voz
engasgada pela emoção.
— Bom dia sua alteza princesa Zoraida!- respondeu
Omar com o todo o respeito de um vassalo.
Omar, percebendo o rosto corado e a emoção de
Zoraida continuou a dizer:
— Princesa, esta tudo bem?
Ela com os olhos a transbordar de lágrimas olhou
firme para ele e disse:
— Eu te amo! Virou-lhe as costas e saiu correndo
em direção a torre.
Omar ficou perplexo com tamanha surpresa. “Como pode isso acontecer, justamente com a
princesa que tenho responsabilidade de evitar tal emoção!”
Ele não conseguiu dormir a noite. Apenas pensava
no ocorrido e no lindo rosto com as faces rubras e os olhos em lágrimas.
No dia seguinte ele foi direto para os jardins
do generalife e ansioso esperava a
qualquer momento a presença da linda princesa. Findou-se o dia e nada de
Zoraida!
Desapontado o capitão retirou-se para seus
aposentos.
O conflito de protetor versus o homem apaixonado
era enorme.
Mais uma noite de insônia.
Tanto ele quanto ela sabiam perfeitamente que
essa paixão platônica não duraria
muito.
Zoraida não conseguia segurar o seu instinto.
Apenas queria se entregar de corpo e alma a aquele seu primeiro homem.
Mas como? Pensava a apaixonada princesa.
Assim passaram-se dias ate que os dois se
encontram.
Olhos nos olhos! Respiração quente, sem
palavras, sem medo, apenas deixaram a paixão extravasar, selando-a com um
demorado beijo.
Omar com Zoraida entre os braços, olhou para
aquele lindo rosto e foi correspondido com os olhos mais brilhantes de toda
Andaluzia. Apertou-a mais contra seu peito como se fosse um ultimo abraço.
Com toda a suavidade desvencilhou-se dela e
afastou-se dizendo:
— Esse foi o beijo mais doce e quente de toda a
minha vida. Nunca poderei esquecê-lo!
Suas passadas eram firmes, seu rosto era serio a
sua consciência pesava.
Assim dirigiu-se a sala do trono.
Lá chegando, anunciou-se e aguardou por
instantes até ser chamado.
— Meu rei! – Estou aqui diante de Vossa Alteza
para informá-lo que não sou mais digno da sua confiança. Não consegui proteger
a sua filha de mim mesmo. A paixão que me cegou, eu nunca poderia imaginar que
existisse. A culpa foi toda minha. A princesa nem por um momento se insinuou.
Ela continua respeitando suas ordens. Rogo à Vossa Majestade que não lhe aplique
nenhum castigo.
O rei ficou pasmo e furioso!
— É assim que você corresponde a minha
confiança?
— Você conhece a punição para quem não cumpre as
ordens do rei?
— Sei sim. Respondeu o convicto Omar. É a pena
de morte Alteza.
— Pois então eu o condeno a morte por decapitação.
Guardas levem-no ao calabouço. Disse o rei sem piedade!
A notícia se espalhou entre os corte de
Alhambra.
A governanta das princesas acabou escutando a
notícia e voltou correndo para a torre.
Lá chegando foi ao encontro de Zoraida:
— Fuja
Zoraida! O rei já sabe de tudo.
— Como assim? Indagou a assustada princesa.
— O seu pai prendeu o Omar e o condenou a morte
por traição!
Zoraida, sem saber o porquê disso tudo, entrou
em desespero:
— Maldição! A minha nova vida desmoronou. O meu
homem vai morrer por mim. Não está direito. Alá, eu lhe rogo, me ilumine.
Nesse ínterim o rei chega à torre e fala com
Zoraida.
— Vim avisá-la que condenei o seu protetor a morte.
Ele será decapitado por mim amanhã. É assim que trato os traidores. Mato com as
minhas próprias mãos.
Ele me contou que você não tem culpa de nada e
assumiu toda a responsabilidade do encontro e me rogou que não a castigasse.
Pelo gesto de coragem que Omar teve de se
entregar, acreditei e portanto não irei puni-la.
Assim no dia seguinte o rei cumpriu a sua
sentença e decapitou o traidor.
Zoraida, corroída pela desgraça, foi definhando
atá que a morte a levou.
Mohamed que tanto zelou pelo futuro das filhas
arrependeu-se e libertou as outras duas
princesas.
Chamou o astrólogo e o decapitou com as próprias
mãos.
(Conto de ficção baseado no livro CUENTOS DE LA ALHAMBRA de
Washington Irving - La Torre de Las
Infantas).
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