Meu Reino por uma Coxinha
José
Vicente J. de Camargo
Uma
das “delicatesses” da culinária
brasileira é, sem dúvida nenhuma, a coxinha de galinha. Tira gosto que não pode
faltar em nenhuma comemoração que se preze, de festas de batizado até
cerimônias de velório daquelas que os familiares e amigos do “desaparecido” se
reúnem, após o enterro, na casa do próprio para lembrarem suas qualidades ou –
balbuciando disfarçadamente – seus defeitos e vícios.
Difícil
no Brasil não encontrá-la nos bares e lanchonetes, desde os mais simples –
daqueles do cafezinho de coador açucarado tomado em pé − até os mais
sofisticados – que também servem iguarias estrangeiras do tipo burger, sushi, quirches e outros concorrentes.
Sua
apreciação nos leva a fatos históricos do passado, envolvendo inclusive o
destino da nação ainda colônia. Um dos mais conhecidos é a paixão que o
príncipe regente Dom João VI passou a ter por ela, quando a degustou pela
primeira vez após chegar ao Brasil. Enchia a pança e os bolsos – para as noites
de insônia – da iguaria e esquecia por completo a saudade da pátria longínqua,
das investidas de Napoleão obrigando-o a fugir na calada da noite, assim como
dos comentários maliciosos sobre o comportamento da esposa Dona Carlota
Joaquina, espanhola de sangue quente – “si hay govierno soy contra!”.
Além
da guarda pessoal formada por garbosos guardiões escolhidos a dedo, responsáveis
por sua integridade física e também dos seus segredos de alcova, mantinha com o
almirante inglês, responsável pela escolta da frota real na viagem de Lisboa a
Salvador da Bahia e depois ao Rio de Janeiro – três meses de tormentas e
calmarias – um romance arrebatador de trocas de interesses. O dele que não lhe
tirassem o solar confiscado do Barão do Café, numa cidade onde, da noite para o
dia, a corte portuguesa em peso desembarcou a procura de moradia digna - pelo
menos sem piolhos e ratos - e o dela, que ele não a esquecesse de levar, quando
o império inglês reclamasse de volta seus navios e oficiais.
Carlota
Joaquina casara com o futuro rei de Portugal aos treze anos por interesse
político. A noite de núpcias teve de esperar a entrada de ambos na puberdade
para poder se realizar. Diz a história, que na fatídica noite, não sabendo ao
certo o que fazer, ela lhe dá uma mordida no inerte “dito cujo” que o leva o
infortunado príncipe há mais alguns meses de espera. Enfim, para o bem do
Brasil, nasce no Palácio da Luz, Dom Pedro e seu irmão e inimigo Dom Miguel – o
preferido da mãe – e a história segue seu curso rumo à Colônia ultramarina.
No
Rio de Janeiro ambos viviam em casas diferentes por imposição dela - não só
para uma maior liberdade de alcova, mas sobretudo por não suportar mais ver
coxinha de galinha em todas as refeições. Um dia, quando sua mucama lhe
informou que o príncipe regente já não tinha mais dúvidas sobre suas baladas
noturnas e que, pressionado pelo que restou da corte e do parlamento português
exigindo sua volta, resolveu retornar a Lisboa, ela lhe enviou uma bandeja
repleta de coxinhas acompanhada de uma carta elogiando tal atitude de
verdadeiro galo tupiniquim – gostaria muito de escrever “de briga”, mas não
ousou a tanto, mesmo porque Napoleão já se encontrava preso dos ingleses.
Já
na embarcação de partida, Dona Carlota Joaquina arranca os sapatos, atira-os ao
mar, e mirando ao almirante inglês e ao marido bonachão diz a famosa frase:
“Desta terra não levo nem os sapatos que a
pisaram”
E
obriga o marido rangendo os dentes – que o faz lembrar da fatídica noite de núpcias
– a fazer o mesmo esvaziando os bolsos repletos de coxinhas. Ele o faz, já com
saudades do quitute, porém consolado que guardou a receita que seu cozinheiro,
nomeado por ele “Marquês das Penas”, lhe entregou como lembrança da terra que
lhe apresentou esta delicia galinácea...
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