O
CAÇADOR DE DRAGÕES
Jeremias Moreira
Sua mãe era uma doceira de
mão cheia. Quando criança, ele saia com um tabuleiro de doces para vender na
rua. Via as outras crianças brincando nos parques, passeando de carro, nas
saídas das escolas com seus uniformes bonitos e sentia-se humilhado. Cresceu e
a vida não mudou. Na escola vivia à margem das pessoas que admirava. Não tinha
a atenção das garotas por quem se interessava. Achava-se um menino pobre numa
escola de ricos.
Não queria aquilo e não via futuro na vidinha
que levava. Aboletou-se na boleia de um
caminhão e aventurou-se pelo mundo, como ajudante. Encontrou no motorista um
filósofo de botequim, que soltava frases assim: “O homem que combate dragões,
torna-se dragão*“ ou “A audácia tem dentro dela genialidade, poder e magia; O
que você pode fazer, ou sonhar que pode, comece já**”. A fala do homem
contaminou Juca Bala, que interpretou à sua maneira.
Decidiu que seria audacioso
e um caçador de dragões.
Desenvolveu uma psicologia
interior de que poderia ser quem desejasse e levou isso às últimas
consequências. Não mediu esforços nem colocou freios morais. Passou-se por
olheiro da seleção brasileira de futebol, guitarrista da banda Legião Urbana,
campeão de jiu-jitsu, chef de cozinha do Maksoud Plaza.
Conseguiu trabalho numa
empresa de taxi aéreo onde aprendeu o básico sobre pilotar e acabou se tornando
piloto de avião a serviço do contrabando e do narcotráfico nas fronteiras do
Brasil, Paraguai e Bolívia. Preso pela Polícia Federal conseguiu se passar por
refém e na condição de vítima, foi solto.
Mas estava enredado num
caminho sem volta. Na sua odisseia, cruzou com muita gente que queria ser.
Gente rica. Tinha um fascínio pelos ricos, que acreditava serem diferentes dos
demais seres humanos. Descobre os ritos, os enredos, os excessos e as loucuras
desse mundo. Juca Bala é um bólido sem freio. Aprende os códigos dessa vida e
consegue se inserir nesse mundo de vips e celebridades.
Apareceu na Festa do Peão
de Barretos como Eduardo, filho caçula de Zico Torres, o maior exportador de
carne do mundo e patrocinador daquele evento. Por motivo de segurança a família
Torres não se expunha. Então, ele supôs que ninguém conhecia o verdadeiro
Eduardo. Estava certo e, como Eduardo, foi o centro das atenções. Era convidado
para todos os eventos. As mulheres disputavam sua companhia, e foi entrevistado
pelo apresentador Amaral Jr, da TV Bandeirantes. Antes não fosse. Dudu, um de
seus ex-colegas “rico” do colegial viu a entrevista num circuito interno da
feira e o reconheceu. Foi a sua procura na festa onde acontecia a entrevista.
Na verdade Dudu foi à busca de aventura. Desejava aproveitar a farsa do
conterrâneo e entrar na onda.
Barrado na entrada, ele
pediu que chamassem o Eduardo Torres. Juca Bala foi atender. Quando se viu cara
a cara com Dudu uma vida passou pela sua cabeça. Veio-lhe à mente quando era um
rapaz pobre num clube de estudantes ricos. Desde então percorrera muitos
quilômetros, combatera dragões e tornara-se dragão. Lembrou-se que o homem
comum não espera modéstia das pessoas superiores. Olhou fixamente para Dudu e
falou:
− De onde você acha que me
conhece?
Dudu sentiu o olhar duro e
frio de Juca Bala. Intimidou-se:
− Acho que cometi um engano.
Desculpe! − afastou-se.
Juca Bala incorporou
novamente o Eduardo e voltou para a festa.
* Lacan
** Goethe
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