Carta a João Guimarães Rosa - Oswaldo U. Lopes


Prezado João Guimarães Rosa
Em algum lugar do Universo onde a matéria se condensa

       Pediram-me para escrever ao meu escritor preferido mesmo que ele esteja morto. Não creio em vida e morte como coisas tão distintas assim e olhe que como você, também sou médico e como você, exerci a profissão com ardor, amor e dor.

       Não foi você mesmo quem disse que “a gente morre é para provar que viveu”? Pois é ai nesse embolar da ausência e da presença, nesse lusco-fusco de energia e matéria em que você se encontra que lhe escrevo não esperando resposta nem a merecendo.

       Todos sabem que seu livro maior é Grande Sertão: Veredas e a impenetrável e avassaladora criação de Riobaldo e Diadorim. De onde veio a força dessa criação? De suas famosas notas no caderninho enquanto marchava pelo sertão? João Alexandre dizia enquanto brincava, como bom pernambucano que era que: “era tudo criação sua que as notas pouco ajudaram”. Isso você nunca explicou. Explicou um pouco sua magistral dotação para línguas. Falava sete e lia onze, Benza Deus! Falo cinco e leio cinco, sendo todas latinas a exceção do inglês. Russo, sueco, esperanto, holandês nem de longe.

       Se me permite gostar mais de uma obra sua, ai vai: Sagarana e lá dentro: A hora e a vez de Augusto Matraga. Vi o filme sim, mas já tinha lido o livro. Foi um casamento feliz o que não é comum quando se faz filme de livro. Ouvi também Paulo Autran recitar aquela fala do vira onça. Momento mágico juntando criador e interprete acima do nível terráqueo.

       Daí você entende, não é inveja não é deslumbre! Médico, diplomata e escritor genial e universal. Quem foi mesmo que disse: “quer ser escritor universal, comece descrevendo sua aldeia”, Knut Hamsun? Vai comparar com médico e escritor medíocre? Não vale a pena
       O que pode dizer de seus livros alguém que foi e é citadino por natureza, que tem nas veias paulistanas óleo diesel, que fala italianado por vício e vizinhança e que só não é jejuno de sertão por causa de umas oportunidades fugidias ao longo da vida.

       Mestre Rosa meu respeito sideral e se me permite em memória de Aracy um abraço justo e medido.


Oswaldo U Lopes 

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