DOIS DESTINOS
Carlos Cedano
Conheci Osmar na sexta
serie do ensino médio. Com apenas treze anos tinha altura bem acima da media,
era muito magro, jeito desengonçado de andar e usava óculos tipo “fundo de
garrafa”. Nos estudos era de longe o melhor aluno da classe, mas nem por isso perdia
sua simplicidade e modéstia. Ficava sempre na dele!
Nos anos seguintes,
Osmar continuou a crescer desta vez a “olhos vistos” e chamava a atenção de
todos. Com certeza existia alguma coisa de anormal nele.
Na oitava serie nossa
sala dividiu-se em duas turmas rivais. De um lado era a turma do agito que “orbitava”
em volta de um grupo autodenominado os “Resistentes” que tinha uma banda formada
por quatro rapazes, três deles tocavam guitarra elétrica e Marco Antônio bateria,
e era líder da turma. Ele era um bonito rapaz e paixão das meninas, Marco Antônio tinha carisma!
O outro grupo, menos
numeroso, era composto por alunos considerados tímidos, sempre evitando atritos
ou provocações. Eu era deste grupo que acostumava sofrer agressões verbais e
não poucas vezes físicas. Sem liderança nem organização na verdade éramos um
grupo de rapazes resignados.
O próprio Osmar
começou a ser vítima de bullyng.
Quando a sala estava cheia e barulhenta de pronto se escutava alguém gritar com
voz disfarçada: espetão ou, ainda
pior, desnutrido, bichado e assim por
diante. Bilhetes ofensivos e desenhos no quadro negro também eram frequentes.
E Osmar? Continuava na
dele, sem preocupar-se e sem ligar pra essas agressões. Aos poucos, o pessoal de nosso grupo começou a juntar-se em
torno dele. Alguma esperança vislumbrámos!
Porém um dia a diretora
comunicou uma noticia péssima pra nossa pequena turma. Osmar estaria ausente
por um longo período, tinha uma doença considerada grave: sua estrutura óssea
era frágil devido a seu crescimento acelerado e não resistiria o peso de seu
corpo. Precisava tratamento urgente!
A partir desse momento
passamos ser chamados dos “desamparados”. Nos meses seguintes o sofrimento e os
abusos se acentuaram fazendo que muitos alunos quase desistissem da escola.
Lentamente passaram-se
oito messes e um dia reapareceu Osmar. Puxa
que mudança, hein! Até parece mais bonito! E não está usando óculos! Eram alguns
dos comentários. Tinha agora um corpo mais desenvolvido e musculoso. Embora seu
andar fosse ainda um pouco desengonçado, algumas meninas da “turma do agito” já
o enxergavam com outros olhos e até sorriam pra ele!
Estávamos exultantes!
Renasciam as esperanças de tempos melhores. Osmar rapidamente retomou o
primeiro lugar na classe e relacionou-se mais afetivamente conosco para
desespero da turma rival. Com gestos e olhares, ele mandava mensagens que
diziam que agora o jogo era outro! Os professores perceberam as tensões
crescentes e informaram à diretora.
Mas aconteceu um
incidente que mudaria as relações entre os dois grupos. Um dia de atividades
livres na escola, subitamente um menino que estava jogando futebol chegou
correndo e gritou desesperado:
— Rápido minha gente! Marco Antônio
caiu no córrego para pegar a bola e não consegue sair!
Todos correram até o
córrego que estava muito caudaloso devido às chuvas dos últimos dias nas
cabeceiras.
Quando chegamos, Osmar
percebeu que a situação era grave. Marco Antônio lutava desesperadamente para
não ser arrastado pela correnteza segurando-se fortemente num dos pilares de
madeira de uma ponte já cambaleando. Enquanto
corria até onde estava Marco Antônio, Osmar gritou:
—Gente! Procure uma corda e alguém
para ajudar. Rápido!
Deitou-se no tabuleiro
da ponte esticando-se tudo quanto seu enorme corpo lhe permitia, procurando
agarrar seu colega. Porém não estava fácil, a violência da água atrapalhava seu
esforço. Foi só quando uma súbita marola aumentou o nível da agua que Osmar
conseguiu agarrá-lo pelo cinto da calça, justo no momento que Marco Antônio parecia
ter desistido de lutar pela vida.
Mas, Osmar sabia que
ele também não resistiria muito tempo! Pareceu passar “uma eternidade” quando
escutou alguém que gritava: Aguenta firme que já estamos chegando! Eram dois
professores que conseguiram, também com muito esforço, puxar a vítima e aliviar
Osmar notoriamente já esgotado. Ambos tinham estado à beira da morte!
O que aconteceu depois
foi de reconciliar qualquer um com a vida! Meus jovens colegas até o momento tensos
e paralisados liberaram uma explosão de choros e risos quando perceberam que
seus colegas estavam são e salvos. Romperam-se as barreiras, todos se abraçavam
e sorriam para todos, não havia mais lugar para rivalidades mesquinhas e sem
sentido. Todos nós crescemos nesse
dia!
E Osmar e Marco
Antônio? Durante os preparativos para a
formatura conversaram e conseguiram entender-se colaborando juntos para seu
sucesso.
Anos depois soube do
destino de ambos na vida. Osmar formou-se engenheiro sanitarista e percorre
países pobres dando- lhes assessoria para evitar epidemias e é muito feliz no
que faz.
Porém a transformação
mais notável foi a de Marco Antônio. O reencontrei num seminário onde falava
sobre recursos humanos. Era diretor dessa área na sua empresa. Abraçamo-nos afetuosamente, e nos poucos minutos em que conversamos, pude
perceber que sentimentos de compaixão e
respeito que permearam sua fala faziam parte de seu horizonte afetivo e que
vinham do fundo de seu coração!
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