UMA AVENTURA COM FORREST GUMP E VARGAS
LLOSA
Jeremias Moreira
O
capítulo da série “Game of thrones” terminou
por volta das vinte e três horas. Como era cedo para ir para a cama, desliguei
a televisão e voltei ao livro “A verdade
das mentiras”, do Vargas Llosa, que fala sobre a arte da ficção. Sem me dar
conta, adormeci. Acordei com o som ardido do interfone. Meio sonolento fui
atender. Ouvi com surpresa a pessoa se identificar como Forrest.
−
Aqui é o Forrest Gump.
Estranhei,
mesmo assim acionei o botão para abrir a porta do prédio, mas ele insistiu para
que eu descesse.
− Desça você! Não temos muito tempo e
precisamos ir a diversos lugares! – ele disse.
Nessas
alturas, estava confuso. Estivera com ele, mais cedo, no clube. Ele se despedira
para ir a uma reunião em Nova Iorque. Impossível ter ido e voltado nesse espaço
de tempo. E, como descobriu meu endereço? Bem, em se tratando de Forrest Gump
tudo é possível.
Tomei
o elevador e desci. Encontrei-o na entrada, agitado. Mal me avistou pôs-se a
falar compulsivamente:
−
Sempre me perguntam se minhas historias são verdadeiras. As histórias mentem,
porém mentindo expressam uma curiosa verdade: as pessoas estão descontentes com
o seu destino e quase todos gostariam de ter uma vida diferente da que vivem.
Para aplacar esse apetite surgiu a ficção. Vamos, uma incrível aventura nos
espera!
−
Aonde vamos? – perguntei.
−
Vou levá-lo para viver a minha história, comigo.
−
Mas, como isso é possível?
−
Basta sermos convincentes!
Quando
me dei conta estávamos numa monstruosa manifestação pelo fim da guerra do Vietnam,
em Washington. Nunca vi tantos ativistas. O pessoal empunhava cartazes e
gritava palavras de ordem. Quando chegou a vez de Forrest falar, um militarista
fanático desligou os fios dos alto-falantes. Acho que foi até bom. Ele estava
por fora do espírito da coisa e falaria a favor da guerra, pois voltou como
herói. Nessa manifestação ele reencontrou a Jenny, a paixão da sua vida.
Realmente ela era uma mulher deslumbrante.
Saímos
dali e fomos para de um enorme estádio, totalmente lotado, onde rolava uma
partida de football americano. Forrest era o running-back, que recebia a bola do quarter-back e punha-se a
correr feito um foguete, sem chance para o adversário. O time dele ganhou de goleada.
Depois
do jogo ele me perguntou onde eu gostaria de ir.
−
Quero pescar camarões! – eu disse.
E
lá fomos nós. Quando estávamos em seu barco, que Forrest dera o nome de Jenny, observei que estávamos vivendo sua história fora
da cronologia.
−
As histórias têm principio, meio e fim. Acho os inícios monótonos e os finais
melancólicos. Prefiro viver o meio das histórias, dos outros. A vida da ficção
é um simulacro. Nela o passado pode ser posterior ao presente e o futuro,
anterior. O narrador controla a cronologia para descrever, esse tempo inventado.
Em
seguida ele propôs que fossemos nos aventurar no meio da guerra do Vietnam.
Recusei, é lógico! Afinal, como brasileiro, não tinha nada a ver com aquilo e,
até torcia contra os americanos, na época.
−
Vamos correr, então? − sugeriu.
Alertei-o
que tinha problemas com os meniscos e a coluna.
−
Lembre-se que estamos vivendo uma ficção. – disse ele. − As coisas não são como
vemos, mas como as recordamos. Nossa aventura depende da nossa capacidade de
persuasão. Se contarmos uma boa história significa fazer o ouvinte, o leitor ou
o espectador viver a ilusão e acreditar. Não precisamos correr de verdade.
Convencido,
topei. Antes, ele me presenteou com seu boné Bubba Gump. Depois de recordar
quando corria alguns bons quilômetros comecei a sentir um grande peso no
estomago.
Abri
os olhos e a Proust, minha gata gorducha e pesada, estava aninhada sobre minha
barriga. A luz da sala estava acesa, Vargas Llosa caído no chão, e o relógio
marcava duas e quinze. Eu havia dormido enquanto lia e tudo não passara de um
sonho. Com cuidado tirei a gata de cima de mim, olhei de lado e dei com o boné
Bubba Gump, sobre o sofá.
Não
entendi nada!
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