A LOUQUINHA VEM AI
Oswaldo Romano
Amélia
foi criada numa família de colonos na Fazenda Dona Odete, nos altos da
Zona da Mata. Menina linda, seus pais a chamavam de princesa.
De espírito atravessado dava trabalho e preocupação
a família. Vivia aprontando todo dia, provocando a maior zorra. Menina, quase
adulta vivia pelos cafezais provocando os homens. À distância levantava a saia,
mostrava-se, e escondia-se atrás do pé de café de onde havia saído. A danada carregava a beleza de uma gata, e
como esta, desaparecia. Quando pintava lá no alto, logo se ouvia de alguém: A louquinha vem ai!
Amélia desde a
infância curtia o hábito de se apresentar como madame da sociedade. Às vezes
coroava-se e desfilava como rainha pelas imediações
No ano de 1.928 apareceu por lá Francisco,
solteirão, ex-funcionário público, vulgo
Chico Brasa. Era dono de uma pequena fazenda no Vale das
Cotias, distante 20 quilômetros.
Chico Brasa comemorou ter encontrado seu
pedaço como sempre sonhou. Ele era abonado e ela cheia de galízias. Juntou a
fome com a vontade de comer. Unidos, Chico já não ficaria só na sua fazenda. Depois
de algum tempo juntos Amélia que carregava meneios provocantes, já não era a
mesma. Lembrava o passado deixando-a num
estranho e profundo ostracismo.
Certo dia Francisco voltando da
invernada, chegou queixando-se da perna. Estava entumecida, tinha reflexos com
pontadas de estranha dor. Altas horas sentiu-se mal, e com dificuldades chamou
Amélia.
Amélia ao passar álcool no local da dor,
viu duas picadas. Não ficaram dúvidas, eram de cobra. Depressiva como estava, deixou
que acontecesse, o que quer que fosse. Calou-se. Longe da cidade deixaria para
o amanhecer a procura do socorro.
Voltou a dormir e de manhã o marido não
respondeu seu chamado. Estava morto. Foi picado por uma terrível Coral. Seu
veneno anestesia a vítima, causa um bloqueio e mortal parada respiratória.
Viúva, herdou a fazendinha, logo vendendo-a,
e partiu atrás de uma nova vida numa sociedade melhor.
Mudou-se para o interior de São Paulo, e
com o mesmo dinheiro adquiriu outra fazenda, e um novo e luxuoso carro. Fez um
bom negócio, mas ninguém lhe disse que as terras da fazenda estavam exauridas.
Exibia-se
pela cidade, desfilando com seu novo Rolls Royce, azul marinho, interior
vermelho e no volante um motorista azeviche, terno branco as ombreiras seguravam
galões dourados.
Perguntado quem era a dona, o chauffeur respondia prontamente:
— É a baronesa Amélia.
Ele também era
enganado.
Assim entrou no fechado círculo dos
quatrocentões, os Barões e Baronesas do
café. Perguntada sobre seu perfume, dizia ter trazido alguns de Paris, no seu
retorno. Sua temporada na França foi para esquecer a morte do seu marido o Barão
de Paraguaçu.
II
Na cidade, era costume alunos do colégio
depois das aulas, frequentarem a estação. Apreciavam a chegada e a interessante
partida do trem das quinze, um trem de luxo. Certo dia a composição que passava
com destino a Petrópolis, assim que parou, descem das portas soldados armados
com carabinas, e se postam vigiando quem desce e quem sobe.
Atitude incomum chamou a atenção dos
alunos. Ao pesquisarem o que acontecia ficaram surpresos com o que ouviram.
— No trem, viajam importantes
personalidades.
— Mas, quem? Aumentou a curiosidade dos estudantes.
O meganha respondeu. — O Governador, a Baronesa
Amélia e seu marido o Barão de Paraguaçu. Vai haver uma importante reunião no
Palácio Quitandinha.
Pedrinho, o mais curioso do grupo, admirado
disse:
— Muito estranho, soldado! Quando saímos
da cidade eu vi a Baronesa Amélia posando no seu carrão!
— Impossível garoto. Eles estão neste
trem.
— Meu avô tinha razão. Ouvi ele falar: Essa ai
engana só trouxas! Não tem a linhagem de Baronesa, nem aqui nem no inferno.
Ele tinha carradas de razão.
Foi denunciada ao Ministério De Amparo Aos
Protegidos, cortaram seus proventos e
para viver foi vendendo seus bens. Sua fazendinha há tempos no abandono estava
engolida pelo mato. O governo, implacável, a desapropriou para cobrir sua dívida com o Imposto Sobre
Propriedade Rural.
Passou a viver das lembranças do
passado. Entregou-se forçada a pobreza, parecia uma feiticeira. Deprimida
vagava com seus sapatos tortos pelo uso, coberta com seu mantô gola de pele,
sujo e ensebado. O chapéu coco surrado, mantinha na lapela uma pena espetada. Cabelos
escorridos como os pelos de um cachorro molhado.
Vagava pela cidade, ficou sendo chamada ironicamente
de baronesa, uma baronesa esfacelada.
“As coisas mudam para melhor ou para pior. Na
maioria das vezes depende apenas de você” (anônimo)
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