Feito Escravo - Vera Lambiasi


Feito Escravo                                                                                              
Vera Lambiasi

Geraldo cuidava da casa da fazenda de sol a sol. Suas mãos trincadas de trabalho exalavam o cheiro forte da cera vermelha. Preferia o serviço doméstico, junto a sua esposa Dora, que cuidava da cozinha.

Zombado pelos homens dos cafezais, que achavam seus afazeres menores, não se abalava, as flores do jardim lhe traziam paz. E a arrumação e limpeza do solar o gratificavam. Queria tudo brilhando, do assoalho ao teto, e não encerrava a jornada antes de consegui-lo.

Geraldo perdera um dedo do pé na infância, ajudando o pai no arado, e a sua permanência junto a família do barão foi como um agrado.

Era um menino especial, asseado, e de bons modos.

Logo foi apresentado a Dorinha, filha da Dona Marta Confeiteira.

Casamento arranjado, e dado certo, diziam os patrões orgulhosos.

Dali vieram os dois filhos varões, paus pra toda obra.

Bons braços, cuidavam da lavoura.

Geraldo sabia de sua permanência eterna na fazenda, mas sonhava a liberdade dos filhos.

Queria os fazer estudados, com outras chances na vida. Não desejava vê-los repetir seus passos e de Dora, acorrentados emocionalmente àquela família.

Ao fazerem 16 e 18 anos os chamou para uma conversa, propondo que fugissem para a cidade grande. Lá teriam novos documentos, trabalhariam como empregados, e custeariam suas escolas. Aprenderiam a ler, escrever, e se formariam doutores.

Deu o pouco que havia juntado de suas economias, e marcou a noite da escapada para dois dias. Tempo de Dora arrumar roupas e limpar sapatos.

A mãe concordava pesarosa, já antecipando as saudades dos rebentos.

Saíram pela noite, cavalos emprestados até a estação de trem.

Geraldo trouxe os animais de volta à fazenda, e deixou os filhos no banco frio a espera do apito pela manhãzinha.

Dora choramingava ao ter o marido em seus braços.

Partiram os meninos.

O administrador, complacente, não os denunciou. Até explicou aos patrões pedindo compreensão.

Depois de três meses uma missiva chegava aos olhos de Geraldo.

Tarcísio e Teófilo trabalhavam numa fábrica de louças em São Paulo, e já frequentavam o curso de alfabetização para adultos.

Dora finalmente conseguiu dormir uma noite inteira.



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