Dilema de amigo
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Quando conhecera Ivete, Carlos
já era cinquentão e duas vezes divorciado. Ficara completa e irremediavelmente
apaixonado pela moça trinta anos mais nova.
Os amigos da roda de chope
caçoavam:
—
Poderia ser sua filha!
—
Vai dar conta do recado?
—
Tem que cuidar para não dividir com outro...
E
assim por diante... Embora ditos em tom
de brincadeira, ocultavam a inveja que sentiam de Carlos. Ivete era uma garota
linda que parecia genuinamente amar
Carlos.
O único que não chateava Carlos
era Marcos. Entre os da roda, era o seu melhor amigo. Ivete, ao lhe ser apresentada, simpatizou com
o rapaz. Sentia que podia confiar nele e perguntou-lhe sobre os casamentos
prévios de Carlos. Qual o motivo das separações, já que Carlos sempre se
esquivava da resposta.
Marcos se viu diante do dilema.
Se revelasse que Carlos era patologicamente ciumento, a moça se afastaria e
ele, Marcos, perderia o amigo. Preferiu
calar-se e inventou supostas traições das ex-esposas para justificar os
divórcios do amigo.
Casados, Ivete percebeu logo
após alguns meses o ciúme doentio de Carlos.
De inicio, eram apenas comentários sobre os chamados dos clientes ou de colegas de trabalho.
Ivete era corretora de imóveis e atendia ao celular grande número de chamadas masculinas.
Após algum tempo, dominado pelo ciúme, Carlos passou a espioná-la. De vez em quando confrontava Ivete com
acusações de ser leviana e namoradeira.
O caráter violento de Carlos se
manifestou após um ano. Acusou Ivete de traí-lo com seu amigo Marcos. A moça repeliu as acusações infundadas mas a cólera de Carlos aumentou. O ciúme varreu seu cérebro, a violência apoderou-se
de seus gestos e ele esbofeteou a
mulher. Dominou-a e torceu-lhe o braço, até que Ivete para se livrar da dor,
confessou um namoro com Marcos. Carlos ainda deu-lhe um safanão e saiu à
procura de Marcos.
Encontrou-o tomando chope com
os amigos de sempre. Gritando acusações e insultos, Carlos arrastou Marcos para
a calçada e espancou-o até que dois ou três colegas conseguissem imobilizar o
ciumento furioso.
Com um olho roxo e uma costela trincada pelo
desamigo, o resignado Marcos lembrou
de Millor Fernandes “O que é pior - a
chamada mentira piedosa ou a verdade cruel?”
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