AO SOM DO MAR. - Mario Augusto Machado Pinto



AO SOM DO MAR.
Mario Augusto Machado Pinto

Chegar até este ponto em minha vida não foi fácil.  Trabalhoso, desde a infância. Só pra dar ideia: vivi com os coleguinhas me aporrinhando o tempo todo e, na gozação, me dizerem que,

sortudo, nasci e fui deitado em berço esplendido
ao som do mar e à luz do céu profundo.

Vê se pode.
É, foi muito sacrifício, muito estudo, muito trabalho, muita dedicação a tudo que fazia; engoli muito sapo objetivando o ponto máximo de uma atividade dedicada ao bem comum. Bem comum? Sim, posso dizer que sim: era dirigida à salvaguarda de todos.

Por que estou pensando isso? Porque noutro dia ouvi meus filhos conversando sobre as possibilidades de trabalho no futuro e o que seria necessário saber sobre a possível tendência de cada um com referência a uma profissão, dela viver e nela fazer carreira. Todos falavam ao mesmo tempo e, de repente, silêncio quebrado pela afirmação da caçula:

- Cada um sonha fazer alguma coisa na vida. Pai Você sonhou ser o quê?

Pego de surpresa – não gosto delas – fiquei titubeando procurando palavras pra resposta:

- Bem, devo ter sonhado várias vezes em ser bombeiro, soldado, mocinho, polícia, essas coisas, mas sobre o que Vocês estão falando só me lembro de uma vez ter sonhado que era comandante de uma caravela que tinha a cabeça de um Martim Pescador esculpida na proa e canhões de ambos os lados da amurada e no alto do mastro central uma bandeira negra com o símbolo de pirata, caveira e ossos...

- Ó Pai e Você lá sabia o que era esse Martin? Pai, não chuta, vai!...

- Soube depois, respondi humildemente e sem graça.

- ...e canhões, bandeira de pirata...Você era? Duvido deodó...

- ...menina! Gozação não gosto, não. Para já com isso!

Afastei-me. Fui ao meu lugar favorito: o terraço de onde via o mar, a entrada e a saída dos navios. Ali rememoro fatos da vida, alguns são repetidos, outros que esquecidos aparecem assim como alguém que não quer nada.




Vida agitada a minha.
Desde a infância sou apaixonado pelo mar, ou melhor, por navegar, competir usando veleiro. Sempre. Como é gostoso sentir o sibilar do vento entre as velas, receber as gotículas de agua salgada acariciar o rosto, gelar as mãos, desafiar a força ao enfrenta-lo curvando as costas. O sol, ah! o sol nascendo, brincando de esconde -  esconde com as nuvens, fugindo da lua, caçando estrelas. São momentos raros, fugidios, mas que me dão prazer de viver mesmo sabendo Afinal, são sonhos.

Confusão de pensamentos, imagens: o lobby do veleiro onde eu rezei tantas vezes junto à imagem de N.S.da Boa Esperança, réplica daquela que veio com Cabral; meu camarote de Comandante, Capitão – de – Mar – e- Guerra, minha fala aos tripulantes citando o poeta Augusto Branco, de Rondonia:

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe,
vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve,
e a vida é MUITO para ser insignificante.

Ouvir a canção gloriosa:

Qual cisne branco que em noite de lua
Eu sou o pirata da perna de páu
Vai deslizando num lago azul
Do olho de vidro, da cara de máu...
O meu navio também flutua
Minha galera, dos verdes mares
Nos verdes mares de Norte a Sul
Não teme o tufão...

- Ah...!

- A-ten-ção! Leme 3 graus Noroeste!


- Leme 3 graus Noroeste, se-nhor!

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