ROGÉRIO/ÂNGELA
Oswaldo
U. Lopes
Essas reuniões de formados no colégio sempre
são decepcionantes. Tanto tempo depois, tanta coisa mudou. As vítimas de
bullying sempre aparecem para nos fazer a acusação, às vezes de forma muda: –
Você infernizou minha vida.
Essa reunião de vinte anos de colegial no
Santa Cruz ia começar com missa e terminar em almoço ao ar livre. A comemoração
de 10 anos já fora meio morna e desinteressante. Cada um seguirá seu rumo
profissional e pareciam muito estranhos uns aos outros.
Profissões, as de sempre: Engenheiros,
médicos, advogados, arquitetos, professores, um de carreira militar (se
interessara depois de entrar no ITA), dois farmacêuticos que seguiram empresas
familiares (Laboratório, Rede de Farmácias), psicólogos, letras (uma) sociólogo
(dois).
Fizera medicina e por isso levara muito mais
tempo na sua formação. Curso de seis anos e residência de cinco. Era psiquiatra
e conceituado. Casado com colega, dois filhos. Ainda não tinha 40 anos, mas se
destacava no conjunto. Os outros destacáveis haviam prosperado por seguir e
participar das empresas ou escritórios familiares.
Mas havia certa tensão no ar. Ninguém falava
muito, mas estavam todos imaginando se Ângela ia aparecer. Quer dizer Rogério
que há quatro anos causara tremendo reboliço nos jornais ao aparecer como
Ângela, uma linda mulher, estrela do escritório de advocacia da família.
E bota surpresa nisso! Rogério era retraído,
mas não tinha cara de bicha, sofreu bullying mais pelo aspecto franzino do que
por ser efeminado. As meninas gostavam de estar com ele, provavelmente por não
se sentirem muito ameaçadas.
Aquilo de certa forma lhe dizia respeito. No
HC chefiava a equipe de estudos do grupo chamado Trans que compreendia pessoas
com o que se costuma chamar de transtorno de gênero, ou seja, gente cujo sexo
atribuído no nascimento não casava com o sexo que elas tinham no cérebro.
Estudos mais recentes começam a evidenciar morfologias diferentes nestas
pessoas em relação ao que se vê no chamado grupo Cis.
Os Cis são a enorme maioria da população,
pessoas cujo sexo atribuído na maternidade está em conformidade com o que
pensam e como se veem na vida real.
Já houvera muita discussão e debate, sobretudo
com a esquerda radical, que o dinheiro gasto com esses estudos deveria ser
dirigido para saúde pública e tratamentos dirigidos aos mais necessitados. Essa
polêmica não era só dos que sofriam distúrbios de gênero. O INCOR também
entrava no ringue. Porque gastar milhões para o tratamento de doenças
congênitas quando havia tantos sofrendo doenças negligenciadas.
Vide Cuba e seus médicos populares, ou os
médicos descalços da China. O momento atual era de certa calma, a esquerda
estava fora do poder e os médicos de Cuba tinham diminuído em número e, o que
era pior para seus patrocinadores, estavam tratando de se incluir aqui mesmo
pouco se lixando para o paraíso cubano.
Bem, mas cadê a Ângela? Os grupinhos de porta
de igreja, terminada a missa se formavam, por amizade, interesses, gênero etc.
Foi aí que a viu. Era uma mulher linda de tailleur azul céu profundo e usava um
pequeno chapéu à moda da Duquesa de Cambridge (Kate). Era preciso ser honesto,
um mulherão com tudo em cima e desejável isso sim.
Ficou pensando e olhando de longe, se pudesse
e não soubesse o que sabia, tentaria uma cantada?
Ângela provavelmente tivera tudo que
precisava, dinheiro, apoio da família e ótimos serviços médicos. Lera numa
revista que ele se submetera a famosa cirurgia da feminização da face com o
melhor cara que havia e que cobrava caro, mas tinha resultados que até Deus
duvidava. A história era pública e ela não escondera nada, nem a cirurgia de
redesignação sexual, feita na Tailândia.
Comparada com os casos que atendia no HC a
diferença era abissal. Mesmo com a colaboração da Cirurgia Plástica,
Ginecologia e Urologia os resultados obtidos na direção homem-mulher ou
vice-versa eram bons, mas ficavam muito longe do que estava vendo.
O que mais judiava dos seus clientes Trans em
qualquer dos sentidos era a não aceitação de sua nova condição pelos
heterossexuais. Aqueles que conseguiam entabular uma relação desse tipo viam
tudo desmoronar quando faziam a revelação de qual era seu sexo de nascimento.
A interrupção do relacionamento sem outras
consequências era até rara. Em muitos casos a revelação era acompanhada de
violência física.
Bem, e agora José, você se chama Paulo, a
Ângela é muito desejável, vai chegar lá e tentar uma aproximação ou não?
Aceitar, ajudar, tratar fazia parte de seu
trabalho e gostava dele, mas e namorar ter uma relação com a mulher que estava
vendo, mas que já fora homem, ia em frente ou não?
Ficou parado, imóvel, olhando e ouvindo de
longe a risada dela, até nisso via a perfeição que fora alcançada.
Boa pergunta, E agora José? Difícil encarar, não? Muito bom!
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