Master
Chef Brasil
José
Vicente j. Camargo
Minha
mulher e eu decidimos, logo de início, não termos televisão no quarto de
dormir. Portanto a telinha fica na sala para compartir. Até agora, fora alguns
percalços sem sequelas, a paz reinou no ambiente. Tem alguns programas que são
de preferência pessoal, mas nada que não se possa chegar a um acordo do tipo:
hoje você me acompanha nesse, amanhã eu te acompanho naquele. Por exemplo, ela
não perde um programa do “Master Chef Brasil” por ser fã da Paola Carosella.
Interessante para quem, quando casou, mal sabia fritar um ovo. Mas
entusiasmada, foi aprendendo e crescendo na arte da culinária. Só faltava um
pouco de experiência na composição do cardápio. Me lembro quando convidei um
colega de trabalho alemão, recém-chegado, para jantar em casa. Ela serviu de
entrada, para esquentar a noite fria: sopa de abóbora; no prato principal: purê
de abóbora acompanhando a carne assada; e, de sobremesa: compota de abóbora. O
alemão, meio constrangido, declinou da sobremesa dizendo-se satisfeito. Dado a
insistência para somente provar, abriu o jogo: confessou que a abóbora
lhe lembrava os últimos anos da infância passados no tempo da guerra, quando
sua mãe, pela falta de muitos alimentos, alimentava a família principalmente de
abóbora, ainda disponível nos mercados. De tanto comer a dita cuja, lhe quedou,
apesar dos cinquenta anos passados, uma certa aversão ao legume, sem querer,
logicamente, desmerecer os deliciosos pratos servidos. Mas hoje, tendo a
disposição uma coleção de livros de receitas e inúmeras horas de programas de
TV sobre culinária internacional, ela me passou confiança para convidar, sem
receio de gafes, parentes e amigos para degustarem um fino prato gourmet. Em
agradecimento, passei a assistir o “Master Chef” com mais interesse.
No
último programa, o primeiro de uma nova série, foi feito a pré-qualificação dos
candidatos ao título de “Master Chef Brasil 2018”. Foram 30 postulantes que, em
dupla, recebiam de três já consagrados Chefs, entre eles Paola Carossela, qual
prato deveriam preparar e em quantos minutos. O tempo dado era propositadamente
bem reduzido para dificultar e assim melhor selecionar os vencedores para a
etapa final. O que mais me chamou a atenção, não foi tanto a invejável rapidez e
confiança na preparação do cardápio e a subsequente “nota” dos Chefs, mas a
heterogeneidade do perfil dos candidatos, a maioria numa faixa etária dos 20
aos 40 anos. Através de rápidas apresentações individuais dos mesmos, conclui
que todas as regiões do Brasil estavam ali representadas nas mais diversas
profissões: de capitão do exército a padre de paróquia, passando por professor,
treinador de basquete, vendedor ambulante, dona de casa como cozinheira
autônoma, bancária, etc. Esta variedade de origens e profissões, somando-se a
alegria e a motivação contagiante dos candidatos e de seus parentes e amigos,
que assistiam a disputa numa sala adjacente, me transmitiu uma esperança de que
o Brasil, impulsionado pela força de vontade de sua juventude em querer vencer
na vida, conquistar com trabalho, mérito e ética uma profissão mais
reconhecida, teria que dar certo.
Mas,
infelizmente, meu deslumbramento durou pouco!
Na
capa do jornal do dia seguinte leio a manchete:
“FUTURO
DE 52% DOS JOVENS DO PAÍS ESTÁ EM RISCO: Relatório do Banco Mundial mostra que
25 milhões de brasileiros entre 19 e 25 anos não trabalham nem estudam ou
frequentam a escola com atraso e estão vulneráveis à pobreza.”
Além
do futuro incerto desses jovens, que mais facilmente podem ser atraídos para a
contravenção, o problema coloca também em risco o desenvolvimento do país que
precisa deles para crescer.
Esses
números demonstram que o gigante adormecido continuará assim por mais um bom
tempo; desfalcado de políticas públicas que incentivem sua juventude a
frequentar e permanecer na escola e a procurar o primeiro emprego. Ou será que
nossos governantes pensam que num toque de varinha mágica, explodirão por todos
os cantos do país, milhares de restaurantes, lanchonetes e serviços afins, que
possam absorver, com dignidade, a mão de obra especializada e motivada ao
trabalho proveniente de universidades e cursos profissionalizantes?
Difícil
prognosticar! Mas com certeza, os aguardarão uma multidão de jovens gritando em
coro pelas ruas:
“Brasil!
Somos seus Masters Chefs! Onde está nossa cozinha pra servir nosso País”...
Muito bom Vicente, abóbora nos Masters Chefs deste Brasil: cozinheiros sem cozinhas X doutores e mestres qualificados sem os empregos...
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