Uma
história muito triste
Fernando
Braga
Anos
atrás, um sábado, saí com minha mulher e fomos ao cinema. Ao voltarmos,
resolvemos comer uma pizza em um local próximo de casa.
Paramos o
carro em uma lateral, bem próxima ao local e entramos. Ao sairmos, já por volta
das 11 horas da noite, junto à roda da frente do carro do lado direito, notei
como que um pacote na frente do pneu. Sem saber o que era, me aproximei e
percebi que se tratava de um garoto todo encolhido deitado. Quando percebeu
minha presença, gatinhou e foi para a frente, sentando-se na sarjeta. Me dirigi
a ele e perguntei:
-O que
você está fazendo aí? É tarde. Não vai para sua casa?
-É muito
longe, hoje não vai dar mais tempo. É na vila Ré.
Pegamos o
carro e fomos para casa. Encostei o carro, abri o portão e pedi que ela
entrasse, que eu voltaria logo. Enfatizou:
-Já sei
onde você vai!
Voltei ao
local da pizzaria e encontrei o rapazinho ainda sentado na sarjeta. Me
aproximei e disse a ele:
-Entra no
carro. Você pode dormir hoje na minha casa. Você quer?
Não se fez
de rogado e entrou.
Quando lá
chegamos, minha esposa pegou uma calça de um de meus filhos que tinha o mesmo
tamanho, uma camisa, uma cinta, uma meia e um tênis usado, em boas condições.
Conduzido ao banheiro, tomou um banho, com a recomendação de esfregar-se
bem com o sabonete, lavando principalmente a cabeça. Foi-lhe dado um shampoo.
Saiu bem vestido, aspecto bem melhorado e limpo. Foi oferecido uma omelete, pão
fresco, arroz e batata, e refrigerante, que comeu e bebeu com avidez. Devia
estar com fome.
Minha
esposa preparou, em uma sala de televisão no fundo do quintal, um local para
ele dormir confortavelmente. Ligamos a TV, e desejamos-lhe boa noite.
Certamente dormiu assistindo TV.
Acordou
tarde no dia seguinte, tomou o seu desjejum e sentamo-nos para conversar. Junto
estavam minha cunhada e marido que tinham vindo nos visitar. Todos, gostamos
bastante do rapazola e as perguntas rolaram por cima dele, principalmente por
parte de meus filhos que se compadeceram de sua pobre situação. Pela
informação, morava muito longe, família bem pobre habitando um casebre, tinha
mais irmãos menores e seus pais “não davam conta”. Viviam como que
abandonados e ele tinha que se virar. Ia a bares e restaurantes, tentando
ganhar algum trocado, tomando conta de carros. Frequentemente era enxotado por
outros guardadores de carro, que não queriam concorrentes. Perambulava pela
cidade. Tinha apenas o curso primário.
Minha
cunhada e meu concunhado, bem posicionado em um banco, logo prontificou-se a
conseguir uma carteira de trabalho, para que pudesse trabalhar.
Arranjaria um cargo de office boy no banco em que trabalhava ou em outro
nosocômio. Miguel, o garoto, mostrou-se contente e aceitou
encontrar meu cunhado em seu banco, logo no começo da semana.
Logo após
o almoço levei-o até o Largo de Pinheiros, dei-lhe um dinheiro para que pudesse
pagar suas conduções e levar um pouco para casa, para ajudar sua família.
Dentro do ônibus, nos abanando a mão, em despedida, parecia outro, diferente
daquela trouxinha, que estava debaixo do para-choque do carro, na noite
anterior.
Ficamos
incluindo minha cunhada, de arrumarmos algumas roupas usadas e outras coisas
mais, para ele e sua família. Para tal aguardávamos por sua volta, a nos
procurar.
Sumiu!
Não
procurou meu cunhado no banco, conforme combinado, não apareceu mais em nossa
casa. Segundo meu filho maior soube, tempos após, que este mesmo garoto,
o Miguelzinho, havia se tornado o maior bandidinho do bairro, preso várias
vezes.
Dá
para entender?
Dá
sim! É a escola da vida, quando reina a pobreza, a falta de orientação, de
instrução dos pais, a ausência de governo.
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