IDENTIDADE DO CANADÁ
Oswaldo
U. Lopes
A notícia era simples, dessas de quinta
página:
Imigrantes
recorrem ao esqui como forma de se tornarem autênticos canadenses.
Os imigrantes (não os turistas) procuram habilitar-se no esqui de neve como
forma de tornarem-se verdadeiros
canadenses. Lá não é difícil tornar-se canadense, você precisa jurar lealdade à
rainha Elizabeth II, comprovar fluência em inglês ou francês e saber que aquela
folha na bandeira e a folha de bordo (maple), árvore da qual se extrai um
maravilhoso e delicioso xarope.
No mundo ocidental costumamos associar certas
coisas aos países:
Itália
– Macarronada
Espanha
– Tourada
Portugal
– Bacalhau
França
– Vinho
Alemanha
– Cerveja
Ao Canadá não costumamos associar muita coisa.
Quando estudei Geografia lá no ginásio o Canadá era chamado Domínio do Canadá.
E era de fato tratado como Domínio pela
Inglaterra. Durante a Segunda Guerra Mundial a pérfida Albion (outro nome para
o chamado Reino Unido) convocou obrigatoriamente cidadãos canadenses para a
luta contra a Alemanha. Isso num momento em que na América do Norte havia um
movimento forte pela neutralidade:
“Os europeus que se danem com suas malditas
guerras”
A vida como a concebemos, com cidades,
escolas, transportes e um sistema de comércio e serviços, só é possível no
Canadá, duzentos quilômetros acima da
fronteira com os USA, para cima disso só tem esquimó, iglus e ursos.
Não ajuda muito o fato de que lá houve duas
colonizações distintas e, portanto, duas línguas estão presentes, e costumes
muito diferentes também. O Canadá francês ao redor de Quebec e o Canadá inglês
nas províncias de Ontário, Novo Brunswick e da Nova Escócia. Sem falar que
construíram uma ferrovia para que a British Columbia continuasse a fazer parte
do Domínio (Canadian Pacific Railway).
Não consigo pensar em situação mais adversa
para construir um pais. Quando da Independência dos USA o Canadá se tornou uma
espécie de refúgio para as pessoas que eram fiéis ao rei da Inglaterra, o que
não só foi tolerado pelos USA como até incentivado como forma pacífica de lidar
com descontentes.
O famoso chefe indígena Touro Sentado que
comandou os Sioux e Cheyennes na derrota infringida ao 7º Regimento da Cavalaria
Americana do General Custer, refugiou-se no Canadá após a batalha de Little
Bighorn.
Era para lá também que muitos jovens
americanos se dirigiam para evitar a convocação para o Vietnã.
Vejamos, pois, os ingredientes que temos para
formar um país:
- Um clima hostil, quando faz frio é de
rachar.
-
Duas colonizações diversas em torno da Baía de Hudson; Franceses e ingleses
além de alemães e escoceses. Há portugueses também porque por ali se pesca o
bacalhau.
-
Montanhas na costa leste e na costa oeste, Estas constituem as famosas Rocky
Mountains, belíssimo refúgio turístico.
-
Uma clara divisão leste-oeste. O oeste parece-se com o famoso Western
americano. Tem até rodeios de cair o queixo (Calgary Stampede). Entre os
dois... Nada. Frio e gelo, como não tem montanhas para se esquiar, inventaram o
curling (aquele boliche que se joga com vassourinha).
-
Não houve no Canadá uma guerra pela independência. A data nacional do Canadá é
comemorada em 1º de julho dia em que se celebra o Ato da América do Norte
Britânica datado de 1867. Houve batalhas entre franceses e ingleses o que não
ajudou muito a união, sobretudo porque a vitória foi inglesa e a mão dos
vencedores foi pesada.
- Se
você acha isso pouco para construir um país, ou acha que neste arroz a grega
está faltando algo, em 24 de Julho de 1967 0 General Charles de Gaulle em
visita oficial a Montreal soltou a famosa frase:
“Vive
le Québec libre” insinuando que a província de Quebec devia ser um país livre.
A partir daí criaram-se três países
independentes:
O
Canadá francês
O
Canadá inglês da costa leste
E a
Columbia Britânica na costa oeste.
Certo? Não e Não.
Juntaram-se esforços e pessoas de boa-vontade:
- Em
1971 o multiculturalismo se tornou política oficial do governo.
- Em
1972 foi criado o ministério de multiculturalismo
- Em
1982 o multiculturalismo e os direitos de igualdade foram cultuados na Carta de
Direitos e Liberdades da Constituição Canadense.
- Em
2017 a Confederação Canadense comemorou o seu 150º aniversário de fundação.
Já tive oportunidade de estar presente por
duas vezes no Canadá por ocasião de sua data comemorativa: o 1º de julho. Uma
em Montreal e outra em Banff.
Nunca me senti tão bem em minha vida. As
pessoas vão aos lugares públicos, parques e jardins, levando bolos e convidando
a todos, sobretudo os estrangeiros a desfrutá-los. Os índios dançam e celebram
porque são chamados orgulhosamente de Canadá First Nation.
É possível para nós brasileiros aprender algo
da lição canadense?
Não tenho resposta, mas me lembro muito da
copa do mundo de 1970 em que num crescendo os brasileiros foram se dando as
mãos e se sentindo felizes, muito felizes. Se você não tinha algo verde-amarelo
no seu carro era gentilmente cobrado por quem passava. Fazia parte da festa
assistir aos jogos em recintos coletivos. Assistimos a alguns jogos aqui no
Clube Alto dos Pinheiros porque parecia que estávamos no campo, todos juntos
como dizia a música.
Os militares quiseram aproveitar a onda no
sete de setembro seguinte, invocando o verde-amarelo, não funcionou! A união, a
formação de um povo que tem multiculturalismo não é fácil. É preciso motivação,
liderança e sentimentos transcendentes.
Algo parecido ocorreu com as diretas já, para
que não se diga sempre que somos o país do samba e do futebol. Recentemente
multidões saíram às ruas para repudiar a corrupção e pediam o impeachment.
Ninguém entende direito a letra do Hino
Nacional, mas todos o cantam e não querem que ela seja alterada. Há pouco um famoso criador de
banners e coisas parecidas sugeriu alterações na Bandeira Nacional, com
inversão na posição da faixa branca, ninguém gostou. Para nós, parece que o
país não está bem, mas é nosso. Acho que são os primeiros passos, nunca se
disse que aprender a andar fosse fácil até se conseguir ficar em pé sozinho.
Para quem consegue enxergar há uma pequena luz
no fim do túnel, tão trêmula que parece uma vela e não um farol, mas vê-la já
está bom demais.
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