EMBARQUE
ADVERSO
Sérgio
Dalla Vecchia
Desci
voando do táxi no Porto de Miami. Com bagagem e passaporte em mãos, adentrei
ofegante na sala de embarque.
Incrédulo,
olhei para o mar e vi a silhueta imponente do navio, que me levaria à um
cruzeiro pelas Bahamas. Ele distanciava-se em baixa velocidade, deixando apenas
a pitoresca esteira branca da saudade.
O
desapontamento foi constrangedor. Havia perdido o embarque dos meus sonhos.
Ainda
recuperando o fôlego, sentei-me remoendo o ocorrido.
Abatido,
com as duas mãos apoiando o queixo consegui ouvir uma voz rouca oferecendo um
passeio até Freeport.
Freeport
era a primeira parada do cruzeiro e não era distante.
Sem
pestanejar, comprei a passagem com o homem da voz rouca.
Pela
velocidade da lancha chegaríamos em tempo de encontrar o navio aportado.
Ressuscitei!
A
lancha era confortável e eu era o único passageiro.
Enfim
zarpamos! Mar calmo, céu azul, tudo perfeito para uma ótima navegação.
O
capitão era um velho lobo do mar, conhecia a região como poucos.
Logo
após a partida, cansado acomodei-me junto à janela da pequena cabine.
Difícil
era conseguir cochilar com o desconforto das batidas do casco, singrando a
superfície irregular do mar azul. Mesmo assim eu estava felicíssimo.
Não
demorou e o capitão puxou conversa:
—Você
conhece as curiosas histórias sobre o Triângulo das Bermudas?
—Sim,
já li sobre fatos registrados que impressionam, recordo-me de alguns:
O
desaparecimento misterioso de um cargueiro americano em 1918 e de uma
esquadrilha de aviões da Força Aérea Americana que decolou de Fort Lauderdale
em 1925, que também sumiu sem deixar nenhum vestígio.
—Portanto
sabe que navegamos em águas misteriosas, onde tudo é aleatório e inquietante!
—Capitão,
não queira me assustar. Estamos em 2017 e esses fatos ocorreram muitos anos
atrás. A tecnologia de navegação naval é moderna e detecta com precisão
mudanças repentinas do tempo, concentração de energia nas nuvens, ventos,
objetos a frente, profundidade e outras inúmeras informações pertinentes.
Portanto não me apavore, quero apenas chegar a Freeport.
—Moço,
não é bem assim, virou-se o capitão dizendo piano, com uma expressão atinada:
—Fatos
estranhos continuam ocorrendo, não são muito divulgados devido ao forte
turismo, mas posso dar-lhe alguns exemplos:
—O
platô submerso com águas rasas, onde aflora uma pequena crista denominada Ilhas
Bermudas é o palco de inúmeros naufrágios;
—A
planície abissal das Bahamas, contrastando com águas rasas da região, também
contribuem com fenômenos peculiares;
—Também
o surgimento de inusitadas nuvens de formas hexagonais, que provocam
repentinamente ventos de 250Km/h.
—Já
disse capitão, não me amole com essas histórias, não vou cair em contos de um
velho Lobo do Mar querendo apavorar turistas.
—Ok,
desculpe ter importunado. - Disse o capitão desapontado.
A
voz rouca calou-se e o barco seguiu seu rumo.
Pelo
cansaço adormeci, mesmo recebendo os solavancos da luta do casco versus mar.
De
repente fui retirado do banco pelo tranco violento de uma grande vaga.
O
mar era outro! Ondas de três metros, com cristas brancas despenteadas pelo
vento forte, insistiam em emborcar a nossa pequena embarcação.
As
condições meteorológicas eram diferentes, nuvens escuras em forma de hexágono,
rolos de nevoeiro passavam velozmente, trombas d´água despejavam como urina as
toxinas do céu raivoso, insuflando ainda mais as turbulentas águas.
O
capitão pilotava com maestria, dava motor na subida da onda retirava em seguida
com hélices em vazio, tamanha a inclinação do barco na crista. Mantinha o rumo
firme cortando em 45º graus com a experiência de velho lobo do mar.
—Comece
a rezar, poderemos emborcar a qualquer momento, estou usado de toda habilidade,
tudo pode acontecer, portanto segure-se bem! - Ordenou o capitão.
Rezei
com todo fervor, como nunca havia feito antes.
O
barco era uma casca de noz em meio a imensidão do mar revolto.
As
ondas invadiam sucessivamente o convés e a presença iminente da morte me fazia
tremer de desespero.
Após
algum tempo, meu cérebro confundia-se entre sonho e realidade. Foi quando
surgiu aquela voz rouca de longe me chamando.
—Moço,
acorde! Acorde! Pare de tremer! Chegamos a Freeport.
Ainda
confuso não entendi nada. Para surpresa, naquele momento o céu estava azul anil
e o mar parecia um lago de tão calmo!
—Corra,
não vá perder o embarque novamente. - Alertou o capitão.
Corri como nunca até chegar ao navio. Após
muitas explicações às autoridades, consegui finalmente embarcar.
O
camarote era ótimo, instalei-me e logo fui para o convés apreciar o mar.
Encostei-me
na amurada e a vista era deslumbrante, não fossem algumas nuvens eu diria que o
céu e o mar eram um só.
Qual
foi a minha surpresa ao avistar a lancha que me trouxera, logo abaixo junto ao
casco, com o capitão acenando efusivamente.
Nisso
passou um oficial junto a mim e curioso parou.
Voltei-me
para ele e disse:
—Está
vendo aquela lancha lá embaixo. Foi nela que cheguei até aqui e o capitão
gentilmente veio despedir-se.
O
oficial ainda intrigado perguntou:
—Desculpe-me,
não vejo lancha alguma!
Perplexo
de pronto respondi:
—Como
não está vendo! Olhe, lá está ela e o capitão acenando!
O
oficial ainda não entendendo nada, pediu licença e retirou-se.
Incrédulo,
olhei novamente para o mar e estranhamente só vi água. A lancha desaparecera
por completo!
Atônito,
minha mente tornou-se confusa, letras se embaralhavam, estrelinhas
multicoloridas pipocavam e tudo rodava. Não conseguia o equilíbrio. Havia
alguma força atuando sobre mim. Senti a amurada, o abdômen sobre ela, depois
uma perna, a queda livre e o contato frio da água do mar envolvendo meu corpo.
A
apneia, o desespero e uma voz rouca me chamando:
—Venha,
dê-me a mão e embarque novamente na lancha da fantasia, onde degustaremos ainda
mais, os apetitosos mistérios do Triângulo da Bermudas.
Obra
de ficção.
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