VIVENDO E SE SURPREENDENDO - Ledice Pereira


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VIVENDO E SE SURPREENDENDO
Ledice Pereira

Era meu primeiro dia de trabalho.  Ambiente e colegas novos, nem imaginava o que teria que fazer, mas estava feliz. Eu pensava que logo conheceria todo mundo e  aprenderia  o serviço. Afinal, eu não era burra.

As circunstâncias  me obrigaram a pedir demissão do lugar que eu adorava e ao qual já estava acostumada e enturmada. Já lá se iam quinze anos.

O concurso público, que não exigia mínimo de idade, fora providencial. Fiz a inscrição, prestei o concurso e fui aprovada.

Ronaldo foi um dos que mais me ajudou. Paciente, detalhista, competente. Passou a ser meu porto seguro.

Ficamos amigos. Eu notava que ele era um pouco afetado, mas atribuía aos anos de seminário que a mãe o fez cursar. Ela o desejava padre.

Mas, contrariando-a ele casou-se e teve três filhas. Esforçado, complementava o salário em outro emprego também de meio período. A mulher, jovem, lecionava e dava aulas particulares. As crianças estudavam perto e contavam com a avó materna que se dispunha a cuidar delas para que os pais pudessem trabalhar.

Ele conseguiu comprar a casa própria num bairro mais popular e levava a vida sem reclamar.

Certo dia, no entanto, queixou-se que o casamento estava perigando.

─ Vocês trabalham demais. Acho que deveriam fazer uma viagem de fim de semana pra namorarem um pouco. Vocês são muito jovens, merecem curtir mais a vida ─ disse-lhe eu, tentando ajudar.

Ele sorriu, agradecido, pela minha boa intenção.

Alguns meses depois, tentando aliar o trabalho aos filhos, solicitei mudança de horário. Passei a trabalhar no período da tarde. Quando eu chegava, Ronaldo estava de saída.

Ficamos muito tempo sem trocar palavras.

Meses depois, encontrei-o na copa. Estava ótimo, sorridente, bem vestido. Parecia feliz.

─ Nossa, Ronaldo, que bom te encontrar assim alegre. Vejo que as coisas melhoraram pra você.

E ele, com um brilho diferente nos olhos, me contou:

─ Há quatro meses comecei a fazer terapia com um profissional muito bem recomendado.

─ Que bom ─ eu disse, animada ─ às vezes falta tão pouco pra gente se encontrar, não? A felicidade está  à nossa frente e a gente não percebe. É preciso que alguém de fora nos ajude.

─ Pois é ─ ele respondeu sorrindo ─ Sabe que acabei me apaixonando pelo meu terapeuta?

A única coisa que consegui falar para não demonstrar o meu espanto, foi:

─ É, é comum o paciente se apaixonar pelo terapeuta...



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