A CARROCINHA E O BODE - Oswaldo Romano


A CARROCINHA E O BODE
 Oswaldo Romano                                                                           

A cada mês passava pela cidade um morrudo espanhol no volante de um caminhãozinho calhambeque, comprador de metais velhos. Tachos, bacias e panelas, desde que fossem de cobre ou alumínio, em qualquer estado. Como eu andava pelas fazendas sítios e chácaras, via muito disso espalhados por lá. Comecei então a comprar por merrecas coisas que não davam mais consertos, e revender para o espanhol pelo   preço que ele fazia. Como passou a comprar também osso, ajeitei uma carrocinha, pintura retocada, puxada pelo Cava. Esse era o nome do bode velho, que ostentava um senhor cavanhaque.

Desse modo, nossa trupe aumentou, juntou-se a Cabana e as demais cabras que tínhamos. Melhorou também meu caixa e minha presença no bar do Beia. Passagem obrigatória onde eu era um assíduo devorador das bolachas em forma de coração, estrela ou cavalinho, feitas de massa escura tipo pão de mel.

Era ali nesse bar que comprava também o maço de cigarros, que depois vendia de dois em dois para a garotada. Os pais, em geral, não permitiam que as crianças fumassem. Tudo acontecia na moita. E era na moita, geralmente da bananeira que se escondiam essas coisas.

Eu não tinha ideia de ser ou não o menos ou mais esperto. Reinava com todos os trecos de infância no impulso, mas minha mãe queria mesmo que eu tivesse uma profissão.

Podendo vender também osso, aumentou a possibilidade de encontrar materiais para vender pro espanhol, que eu o apelidei de “bigode de arames”.

A procura por ossada naqueles campos começava pelos ares. Vendo-se urubus circulando, não tinha erro. Era só voltar no lugar depois de três, quatro semanas, lá jazia um esqueleto de gado.

Mais uns dias de sol eram esperados para que se dessecasse.

Miguel, o único morador de rua da cidade, a troco de umas cachaças e alguns pães de mel, foi o melhor ajudante que consegui. Alias, só podia ser ele, é o que a cidade tinha.

Devido a fedentina e as moscas, eu estava decidido abandonar a catação de ossos, muito embora quem metia a mão na massa, era o Miguel. Decisivo foi num dia de escaldante sol, daqueles que a gente vê cobrinhas nadando.

Com os olhos semifechados eu corria pelo esqueleto da coitada, imaginando quais coisas que teriam em seus buracos. O sol queimava. Um pano que me cobria a cabeça por baixo do boné, passava pelo nariz e tampava a boca. O próprio espantalho. Suava, o sol ondulava o ar.


         Quando olhei para a cabeça da vaca, levei um susto! Vi claramente que ela se mexeu. Mas como? Era um esqueleto! Enormes dentes, e ossos. Assustei claro! E nesse momento um mugido soou nos meios ouvidos! Deu-me o maior pavor. Eu tremi! Coisa tétrica formou-se na minha cabeça. Sai correndo, desenfreado. O bode assustado soltou seu berro. Lá na frente, olhei para trás. Pulando, desengonçado, correndo com um osso na mão, o Miguel. Corria, mas não sabia do que.

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