OS FILHOS DO VENTRÍLOQUO.
Sergio Dalla Vecchia
O casal passeava tranquilamente pelos gramados do Hyde
Park em Londres com o filho Peter. Era um domingo ensolarado e os 2,5km2 de
lagos e vegetação podiam ser vistos nitidamente por turistas que sobrevoavam o
local.
A esquina do orador, local marcante reservado para quem
quisesse se manifestar, estava repleto de pessoas. Elas ouviam um efusivo orador
sobre a situação da paz mundial.
Peter caminhava junto aos pais e vez em quando se
aventurava a avançar alguns metros, mas logo recuava. Era um menino tímido e de
pouca conversa. Tinha uma ligação muito forte com o pai. Não desgrudava dele!
O pai o levara algumas vezes ao museu de cera da
Madame Tussards. Lá ele ficava maravilhado com a perfeição dos modelos de cera,
dos astros famosos e da família real. Mas o que mais gostava era a sala dos horrores,
torturas e modelos ensanguentados!
A família era sustentada pelos cachês que o pai recebia
fazendo apresentações de ventríloquo com o seu inseparável boneco.
Certo dia, Peter pediu ao pai para acompanhá-lo nas
apresentações. Ele concordou e daí em diante sempre estavam juntos.
No iniciou era novidade. Ficava na coxia enquanto o
pai apresentava-se no palco, sentado com um menino boneco em uma das pernas,
com quem mantinha um diálogo de perguntas e respostas. O público achava graça e
ria muito!
Ele gostava tanto que conseguiu ser aproveitado no
espetáculo. Seu pai ficava com o boneco em uma perna e ele na outra. Assim manteriam
um triálogo.
Foi maquiado tal qual o boneco para que parecessem
irmãos. Fizeram alguns ensaios e o resultado foi surpreendente.
Assim o trio ficou conhecido por toda Londres e também
Europa.
Os espetáculos aconteciam com casa lotada e ao
final, aplausos e mais aplausos. Um sucesso!
Estavam tão afinados que por vezes o pai confundia
o Peter com o boneco e vice-versa!
Mas com o tempo o triálogo foi se tornado áspero,
principalmente entre os dois “bonecos”. Perguntas irritantes, respostas
contundentes, parecia haver uma rivalidade entre os dois
Peter tinha pesadelos com o pai, pondo em dúvida a
sua paternidade.
Passava pela sua cabeça que não era ele o filho
legitimo e sim o boneco, tamanho vínculo que ao pai tinha com ele. O ciúme o
corroía.
Por vezes olhava para o boneco e tinha a nítida
impressão que ele o estava provocando. O clima emocional entre os três não
estava nada bom, eram brigas, discussões e ofensas a todo instante.
Voltaram à Londres após uma turnê em Paris e chegaram
em casa.
Peter sentou-se no sofá com o boneco ao lado para
assistirem a um filme de Alfred Hitchcock intitulado os pássaros.
O pai tomou um banho e foi para o quarto dormir.
Estava exausto.
Os dois “meninos” continuavam a assistir ao filme,
não perdiam nenhuma cena.
Os pássaros atacando as pessoas, as bicadas, os
gritos e os dois em êxtase!
Do nada, Peter olhou para o boneco com um olhar
assustador, levantou-se e saiu da sala. Após um tempo ele retornou e deparou-se
com uma cena horrível. O boneco estava esquartejado com pedaços espalhados pela
sala, pernas para um lado, braços para outro e sua cabeça no chão olhava com
aqueles grandes olhos de boneco que pareciam dizer alguma coisa. Peter em
desespero saiu em disparada para o quarto do pai, abriu a porta e deu um grito
de pavor. Seu pai estava morto sobre a cama com uma faca espetada no peito. O
sangue ainda corria pela cama e pelo chão exalando o cheiro característico da
morte!
Peter em estado de choque, sentou-se num canto com
o olhar fixo no nada!
O pavor era total!
E naquele momento de fragilidade ouviu uma voz
suave dizer:
— Peter, onde
está você?
Aquela voz quase inaudível ativou sua memória e
reconheceu a voz de sua mãe!
— Filho, filho querido, até que enfim você voltou!
Já não aguentava mais de saudades. Ninguém mais roubará você de mim! Agora que o seu pai e aquele maldito boneco
estão mortos, venha embora com a mamãe! Venha, vamos logo!
Mãe
e filho sumiram e a Scotland Yard nunca os encontrou!!
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