De viagens e
malas
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Suíça
é um país caro e as duas amigas, Celina e Sônia, vinham há muito planejando a
viagem. De Zurique fariam os passeios de trem, com pouca bagagem e se
hospedariam em hostels baratos. Na terra dos queijos não iriam gastar em
restaurantes. Os bons vinhos da Suíça francesa, os queijos e as frutas do
verão fariam a delícia das duas moças.
Duas
semanas antes da partida, Sônia ligou. Meio sem jeito perguntou à amiga se a
Marlene, uma sua prima de Goiânia, poderia acompanhá-las na viagem. Celina
puxou pela memória:
— Pera
aí! Marlene não é aquela, toda perua, que apareceu no churrasco do sítio usando
vestido de grife e salto agulha? Não vai dar certo!
— Pois é, retrucou
Sônia, mas isso já faz dois anos e parece que ela mudou e está superesportiva.
A tia Mina praticamente me implorou para levar a moça que está muito deprimida.
Levou o fora do noivo a dois meses do casamento.
Celina
a contragosto cedeu aos argumentos da amiga.
“A tal Marlene terá que se adaptar. A Sônia vai
explicar tudo por escrito para não haver reclamações. Até vou pagar menos pelo
quarto cujo preço poderemos dividir pelas três.”
A
encrenca começou já no aeroporto. A tal prima apareceu com uma mala enorme
pesando mais de vinte quilos e anunciando alegremente: “Tenho dentro outra dobrada
para as compras.”.
Celina
rangeu os dentes:
— Se ela pensa que vou ajudar a carregar está
muito enganada.
Passado
o check-in, Celina passou a fingir que não conhecia a moça. Estava com vergonha.
De jeans brancos justos, blusa de
alcinhas e rasteirinha, vestida para o verão de Goiânia, tinha o perfil certo para ser barrada na
imigração suíça. Só não congelou no avião porque conseguiu mais dois cobertores
da aeromoça.
Ao
desembarcarem, Celina e Sônia tiveram que esperar uma hora até que a “sem
noção”, como Celina passara a chamar a tal prima, conseguisse convencer o
policial da imigração de que era realmente apenas uma turista. As duas amigas
ainda tiveram que ajudar a criatura com as malas para pegar o metrô até o
hotelzinho barato onde iriam pernoitar.
Lá
mesmo, Celina teve a sua revanche. Sorriu cruel:
— Ver a dondoca arrastar as malas pela escada até
o quarto andar, não tem preço!
Quatro
dias e duas viagens depois foi dado o basta até pela paciente prima Sônia. Marlene
reclamava de tudo. Da comida porque não tinha arroz ou bife, do café, da
lanchonete barata.... Nunca estava pronta na hora combinada e só se
entusiasmava ao entrar em algum shopping.
A
gota d´água foi o sucedido no metrô. A criatura calçava sapatos de salto alto.
O salto enganchou no vão entre a plataforma e o vagão, e a porta não fechava.
Ela tirou o pé mas o sapato ficou preso e o metrô começou a andar. Inconformada,
puxou o freio de emergência. Foi um tumulto. Tiveram que ir as três ao posto
policial e a Marlene pagou resmungando os duzentos euros de multa por acionar o
freio por motivo fútil. O sapato não valia isso!
Na
hora, Sonia e Celina decidiram: A protegida da tia Mina voltaria a Zurique e de
lá direto ao Brasil! Adeus Marlene, uma mala sem alça carregada de malas!
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