Outras dimensões - Ises de Almeida Abrahamsohn


Outras dimensões
Ises de Almeida Abrahamsohn

Tarsila adorava física teórica. Sabia tudo sobre as teorias das dimensionalidades. Agora esta empolgada pela teoria das cordas. Entre as muitas variantes havia matemáticos que propunham oito ou até 11 dimensões simultâneas em vez do nosso universo de meras três ou quatro dimensões.  As equações mostravam que as várias dimensões eram independentes, mas que era possível passar de uma para outra.

Sentada em frente ao computador, Tarsila tentava resolver as equações das seis dimensões paralelas. Vinha trabalhando há oito meses nesse assunto.  Faltava resolver  apenas algumas equações finais para demonstrar a existência da última dimensão entre as seis postuladas.

Eram três da amanhã quando a física resolveu a ultima equação. Quod erat demonstrandum! QED! Exclamou, exaltada por ter conseguido o que muitos  haviam tentado sem sucesso. Ao se esticar na cadeira, Tarsila olhou em volta. No escritório todos os móveis e objetos se encontravam deslocados e apareciam como imagens invertidas da realidade que conhecia.  Foi para a sala e lá também tudo parecia ter sido invertido. Lembrou-se de Leonardo da Vinci, e a curiosidade de ver o que sucedia fora de casa era maior. Abriu a porta da sala, cujo trinco estava agora no lado direito ao invés do esquerdo e se abria do lado oposto.  Caminhou pela avenida principal, vazia àquela hora da madrugada. Num primeiro momento, ao olhar os letreiros das lojas e dos cartazes, não entendeu nada. Aos poucos foi se apercebendo de que havia palavras em muitas línguas todas escritas ao contrário. Reconheceu o nome da padaria  que agora se encontrava do outro lado da avenida e decifrou o destino de um ônibus que passava. Continuou a caminhar e percebeu que uma gata malhada  a seguia. Os gatos sempre gostaram dela.

Olá gatinha, então você vive neste mundo maluco? Ou será uma ilusão?”

O bichano chegou mais perto e enroscou-se nas suas pernas. Tarsila abaixou-se e acariciou o animal entre as orelhas que começou a ronronar. Continuaram as duas pela calçada, a moça agora mais confiante, talvez por ter encontrado no felino uma criatura vivente do seu próprio mundo. Mais adiante viu na esquina uma grande lanchonete. Claro, conhecia aquele lugar. Era perto da sua casa. O X-burger anunciado na foto parecia o mesmo de sempre mas o nome ficara muito estranho algo como regrub-X mas as letras estavam invertidas e o preço também.

“Será que as notas de dinheiro neste universo seriam também diferentes?  Preciso sair com um espelho, eu não sou Leonardo, estou ficando tonta e com dor de cabeça”. Assustada, voltou pela calçada até à porta de casa acompanhada de perto pela gata malhada.

Você não, disse para a gata que se postara esperançosa junto à porta. Acho que gatos dessa sua dimensão não vão se dar bem no nosso mundo.

A porta não abria e ela, nervosa, se deu conta de que precisava girar a chave ao contrário. Esqueceu a gata e entrou correndo.  Bateu a porta e olhou em torno... Suspirou aliviada, tudo estava em seu lugar original. Ela tinha voltado ao seu conhecido universo de apenas três dimensões.

Ao adormecer ainda pensou: Tenho que repetir a experiência amanhã. Será que realmente entrei em um universo paralelo?”

No dia seguinte após o café foi para o escritório e ligou o computador. Olhou as equações da véspera para verificar mais uma vez se estariam corretas. Queria escrever o trabalho para ser publicado numa boa revista internacional de física teórica. Não iria mencionar o seu passeio do dia anterior pela quarta dimensão. Os cientistas certamente zombariam e mesmo ela não tinha certeza se tudo não passara de um sonho. Lá pelas 11 horas fez uma pausa para uma caneca de leite. Apoiou o copo ao lado do computador e continuou. Alguns minutos mais tarde, esticou a mão para  a bebida e viu que a caneca estava  pela metade. “Que estranho, poderia jurar que a enchi”. Tomou um gole e retomou o trabalho.. Ia pegar a caneca para mais um gole quando para seu espanto viu que o nível do leite ia baixando, baixando até ficar só um fundinho na caneca. Levantou a caneca  pronta para limpar  o leite vazado na mesa. Mas não havia mancha de leite ali.  A madeira estava seca  e também no chão não havia nada.“ Estou ficando louca”, pensou ela, enquanto inspecionava o fundo da caneca para ver se havia alguma rachadura pela qual o líquido pudesse ter escoado. Nada, a louça estava intacta e o fundo nem estava molhado.  Pousou de novo a caneca sobre a mesa. Então ouviu um miado longínquo. Como se viesse do quarto ao lado. Não deu atenção pensando ser da casa vizinha. Mas o miado de novo fez-se ouvir, dessa vez mais forte, embora abafado, mas como se viesse do próprio escritório. Tarsila lembrou-se  da gata da véspera. Vasculhou atrás das cortinas, as estantes, mesa e cadeira e nada...no restante da casa a mesma coisa. De vez em quando ouvia um daqueles miados.

 Por fim voltou à sua escrivaninha.  “E se... E se.... Talvez.... Não, seria impossível.....  Mas , afinal, por que não ? .... Se eu fui até a outra dimensão ....... “. 
De repente, teve uma ideia.  Foi ao banheiro e desatarraxou o espelho redondo de aumento que estava fixado ao lado da pia. Com o espelho em mãos, voltou ao escritório.

E aí, dirigindo o espelho ao topo da escrivaninha viu na imagem do espelho a gata malhada  do dia anterior tirando a maior soneca, com a cabeça pousada bem ao lado da caneca.

Será que ela está mesmo aí?” Esticou a mão para o lugar onde estaria o animal, mas só encontrou o vazio e a superfície da mesa.  Poderia me ouvir, assim com eu a escuto miando na sua dimensão?

Olá bichana, bichaninha, nem sei como é o seu nome, vou dar um – vai ser malhada- você está contente aqui na minha casa?”.  E aí Tarsila viu pelo espelho a gatinha levantar a cabeça, piscar  e aguçando o ouvido, Tarsila  ouviu um delicado miado distante acompanhado de um macio ronronar.

Ela parece querer  vir para cá? Não quero me arriscar pulando de novo para a outra dimensão ! Como vou fazer para trazer a malhada para cá”.  Tarsila ficou matutando, matutando até que lhe veio a ideia. “Pode ser que dê certo, tentar não custa”. A moça foi atrás de um segundo espelho. Lembrou  que tinha um antigo, desses de mão, herdados da mãe que serviam para conferir o penteado na parte de trás da cabeça. “Se tudo é invertido na dimensão onde mora a malhada, a imagem dela no primeiro espelho se refletirá no segundo, e estará orientada corretamente. Se isto funcionar, talvez a malhada possa pular para a nossa dimensão!”

Voltando ao escritório,  a moça localizou a gata virtual com o primeiro espelho. Havia se instalado numa almofada. Ao ser  descoberta acordou e miou amistosamente. Tarsila então ajustou o segundo espelho. Lá estava a malhada, na segunda imagem agora com a mancha preta e amarela na orelha oposta.

Pule, bichana, pule para fora do espelho, venha para cá! -  chamou Tarsila, encostando a mão no espelho. A gata deu um pulo e aterrissou no tapete. A moça a colocou no colo e examinou. Estava inteirinha! Parecia uma gata normal. Quem acreditaria que viera de outra dimensão!?


Melhor eu ficar calada e não contar a ninguém, até que eu possa provar que é possível transitar entre as dimensões do espaço”.


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