O
PORTEIRO SUMIU
Suzana da Cunha Lima
Voltei à minha cidade natal após dez anos de
ausência.
Saudade de tudo: das palmeiras farfalhando no
Jardim Botânico, do Cristo iluminado, do
aroma das quaresmeiras, do cheiro da maresia, do vento brincalhão nos passeios
de barco, e do dourado cair da tarde no Arpoador.Quem viu, sabe o que quero dizer.
Mas, principalmente, saudade do mar. Este mar que me acompanhou a vida inteira: desde que, bebezinho, minha
mãe colocou meus pezinhos pela primeira vez na areia e me levou no colo para um
mergulho. Este mar onde furei a primeira
onda, aprendi a pegar jacaré, peguei muita onda caixote, muito mar calmo e
muito mar raivoso. Mas era tudo mar, já havia se entranhado em mim, fazia parte
do meu DNA.
Como consegui ficar tanto tempo fora? Agora voltava,
mas não para sempre, porque a vida aponta caminhos que, muitas vezes teimamos em não aceitar e depois pagamos caro por escolhas infelizes.
Mas estava de volta, era o que importava! Eu
tinha uma amiga muito querida que morava bem em frente à Av. Atlântica. Amiga do tempo em que, casadinhas de novo,
trocávamos segredos e receitas, dúvidas e ansiedades, até roupas de gravidez
quando os filhos chegaram.
Eu tinha o endereço certo e como sabia que ela
estava sempre às quintas em casa, apenas a avisei que estaria lá, numa
quinta-feira, para tomarmos um chá. Deixei para encontrá-la na hora de minha
volta, porque queria guardar na retina o momento feliz de nosso reencontro, tanto quanto a visão
magnífica da orla de Copacabana, do posto seis ao Leme.
Parecia até que aquela tarde tinha se vestido de
gala para aquele momento tão esperado. E não era preciso muita coisa: bastava
aquele céu azul e aquele sol e o marulho do mar abraçando a areia.
À medida que eu chegava ao prédio de
apartamentos, meu coração foi encolhendo. Nem sempre os reencontros são bem vindos,
nem sempre correspondem às nossas expectativas!
Notei que haviam colocado grades em toda à volta
e uma portaria sofisticada. Mas, onde estaria o porteiro? Fiquei desolada. Telefonei e ninguém atendeu, nem mesmo obtive
retorno pelo celular. Fiquei ali parada, sem saber o que fazer, olhando a
portaria sem porteiro, quando senti uma mão em meu ombro e logo uma gargalhada
inconfundível:
— Sabia que você ia querer fazer uma surpresa.
Toda quinta-feira eu me sento ali no banco e fico lhe esperando. Deixou para o
fim, não é?
E nesse momento o tempo deu uma volta para trás
e agora éramos outra vez duas mocinhas felizes,
empurrando o carrinho de seus bebês, rindo e dizendo besteiras.
Porque o Porteiro sumiu, mas não o mar, que
permanecia ali mesmo, cenário e testemunha de tantas conversas,
afetos, angústias, dúvidas,
alegrias e bem querer, de vida, enfim!
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