CONTO DE FÉRIAS - CRAAAASSSHHH - Maria Luiza de C.Malina



CRAAAASSSHHH
Maria Luiza de C.Malina

“Que porrada meu! Que foi isssssooo! Cof, cof, cof... Vou continuá sentado esperando baixá a poeira. Cof. Não entendo, tava  andando tranquilo no skate... Cadê o skeitaço, meu skaaaate! Onde foi pará? Drogaaa. Alguém pode roubáa! Tá bom vou esperá a poeira baixa...”

Luciano apalpa em volta de si tentando encontrar seu bem maior – o skate adquirido aos sete anos a contra gosto dos pais, com a economia das suadas mesadas, não tão suadas quanto o convencimento de poder andar de skate por aí, pois a condição era uma – só na área do Clube. Um imprevisto o encontrou distante de casa na véspera de completar 10 anos.

“... E nada de abaixar. Ai que dor, não posso mexer a perna, será que quebrei?  Nossa, tem alguém gemendo ou sou eu, pelo menos posso apalpar, vishhh tem sangue na minha mão, será que é meu, não não é meu, deixe eu esticar o braço um pouco mais... nossa, tem gente morta, não fala nada – ei, ei tem alguém mais aí? Ué ninguém responde, será que o mundo acabou? Pomba, estava indo na casa do Pedroca entregar meu convite para jogar boliche, é agora me lembro, foi isso que aconteceu, não fiz nada de errado e ninguém me acertou, deve ter sido um desses “tsu” brasileiros, será que caiu um avião? Meu celular, cadê, ai que horror não consigo me levantar... minha mãe... se ela ligar estou ferrado, vai repetir que nunca atendo! Preciso falar com alguém.

 – Tem alguém aí?

Pôxa, nem gritando me escutam, mas que cheiro de sangue, minha mão, minha mão  está molhada. Eca! Não é meu. Ai..ai.. Será que tô com um defuntinho ao meu lado... Eca, parece xixi. Acho que a coisa foi séria, vou começar a chorar, não dá, nem sei chorar! Nossa é verdade nunca chorei, mas está me dando um aperto no peito, que será! Cadê meu skate! Pelo menos se estivesse do meu lado eu poderia deitar em cima e chispar. É devo estar perto da travessa da casa do Pedroca. Será que a casa dele caiu? Deve ter sido mais uma das experiências malucas que ele faz nas aulas de ciência e... puft, a casa explodiu? Ah Pedro! Se for isso você vai ter que pagar o estrago do skate. Meu pai não vai acreditar, vai pensar que fui eu quem fiz uma manobra maluca e por cima me estourei. Ah! Pedroca! Por que fui te convidar para jogar boliche! Meu relógio. Pô não vejo as horas, que é isso,  não vejo nada. Ele tá aqui!  SO – COR – ROOOOO! Não.. não. Tenho que rastejar, preciso sair deste lugar, ai.. ai.. uf..uf..ai que dor.

O que foi rapaz, que aconteceu com você?

— Quem está aí? Não vejo nada além da poeira.

— Poeira? Tem nada não aqui. Aconteceu lá adiante uma explosão, morreu muita gente e você deve ter sido jogado prá cá pela força do troço que estourou ninguém sabe o que foi.

—  Por favor, me ajude está vendo um skate por aí?

—  Sim lá adiante, poxa! O negócio foi feio mesmo. Você está com um galo de bico aberto na cabeça.

— Ele está cocoricando?

— Não me faça rir, é grave, vou procurar ajuda.

—  Ei quem é você, tem um celular para emprestar?

— Não me reconhece ou minha voz? Sou o padre Humberto da igrejinha perto de sua casa e os celulares estão fora do ar... Vou tentar chegar até sua casa. Sei lá, está tudo quebrado na redondeza. Não saia, fique aqui.

—  Nem posso, devo estar com a perna quebrada, algum olho furado, desdentado, aleijado, ensanguentado – será que me ouviu? Bem pelo menos foi procurar ajuda. Ei, mas por que não vejo nada? Não tem poeira nos olhos, será que estou cego, estou com os olhos bem abertos e não vejo nada. Bom uma coisa é certa, não foi o Pedroca. Ele disse que o negócio foi geral e ainda sem celular... Isso ele não faria. Bom que remédio, vou esperar. Minha mãe? Onde será que ela está. Aff por que fui sair de casa naquela hora? Minha casa é tão segura, temos um “bunker” secreto, garanto que lá está tudo intacto, tomara que ela tenha ido lá fazer as arrumações. Desce todos os dias. Sempre disseram que era a casa melhor construída da rua. Deve ter sido a única a ficar em pé.


Paciência, como diz mamãe. Vou esperar e rezar até o padre voltar, se voltar. E pensar que ele pedia ajuda na igreja e, eu não ia. Acho que queria me treinar para ser padre. Tá doido. Padre não anda de skate. E coroinha, será que anda? Ah! Sim, e o pessoal do coral e da catequese? Não sei não, são tão compenetrados! Acho que não dava certo eu ir lá. É mas se eu sair dessa acho que vou ter que ir. Bom, acho que é melhor começar a rezar para o padre voltar. Será que volta? Manhêeeee...

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