Contracorrente
José
Vicente J. de Camargo
Joca,
caiçara curtido pelo sol forte de praia; pescador de lançar a rede ao raiar do
dia e de recolher na calada da noite; fã das peladas de praia na areia fofa e
escaldante; jogador de sinuca e carteado regado a branquinha no bar do Zé;
frequentador assíduo da pensão da luz vermelha no Mangue Seco, passa a ser, por
um capricho do destino, a figura principal dos comentários no vilarejo da Barra
Grande, a partir do telefonema que Dorinha, sua amasia, aos prantos e soluços, faz
à polícia, naquela madrugada:
−
Alô, venha rápido! O Joca, entupido de marvada, caiu no poço da Sogra e está
boiando de cabeça pra baixo sem dar sinal de querer voltar...
O
poço da Sogra é famoso por ser profundo e estreito que até pra desvirar o latão
de água, quando entala na boca, só mão de homem consegue.
Ao
chegar ao local, o guarda representando o delegado, só precisou atestar o
relato da Dorinha e mandar o infeliz para o salão paroquial para o velório
improvisado.
Testemunhas
ouvidas confirmaram o excesso do Joca com a branquinha na noite do carteado. O
motivo de estar ele no meio da madrugada na beira do poço, diz Dorinha ser ela
a culpada, por pedir a ele buscar água fresca pra cozinhar o macarrão, encher o
bucho, expulsar o mé, e assim conseguir força pra lançar a rede da manhã, já
quase chegando.
“Morte
acidental por afogamento! Diz o diagnóstico médico, curto e grosso, carimbado
no atestado de óbito”.
Assim
ficou, até que um telefonema anônimo à polícia, contradiz o veredicto:
−
Foi ciúmes! Fala a voz, disfarçando com artifícios, o dono verdadeiro: “Foi
Dorinha ao saber que seu macho remava na contracorrente da maré...”
−
Como assim? Retruca a voz da justiça do outro lado da linha.
−
E que Joca gostava de lançar a rede não só pro ganha pão, mas também para
pescar “peixe espada”. E quando fisgava um, se lambuzava todo escondido nas
dunas. Até que Dorinha, já meio desconfiada, o pegou em fraga com uma espada no
rabo. Não aguentando tanta humilhação, deu o troco com um empurrão, pondo a
culpa na branquinha e no macarrão...
Dorinha,
quando interrogada pelo delegado sobre a veracidade da denúncia, cai no pranto
confessando que estava arrependida, com dor na consciência:
−
Joça era um caboclo bom, só tinha esse defeito: “Mas quem não tem defeito, que
atire a primeira pedra! Já dizia o Pai de todos”...
−
Ou o primeiro “peixe espada”! Completa o guarda Jesuíno, que acompanha o
interrogatório, com ar malicioso...
−
Eu sei que foi você, desgraçado, que me denunciou a policia. Retruca Dorinha.
Vi você por perto naquela madrugada, dando uma de estar fazendo a ronda. O que
queria mesmo era se encontrar com meu homem. Nunca foi com a minha cara, de
ciúmes, por eu ser a mulher do Joca: “Você, que nem sardinha pesca, vem agora
querer dar uma de peixe-espada! Mas cuidado, nesse mar tem muito tubarão
faminto!...”
O
delegado, acenando a cabeça, conclui:
E
eu, que estava afim de almoçar aquela peixada na Dita, perdi o apetite...
“Caprichos
do destino! ”...
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