O
ÚLTIMO NATAL DE SEVERINO
Carlos Cedano
Bruno sempre voltava à sua pequena
cidade, tinha muitas saudades e as lembranças impregnadas no seu coração eram
motivos para sempre retornar.
Estava agora sentado no tradicional bar
que fica na Praça principal. Quando pequeno, ali mesmo, escutara as fofocas que
ele disseminava e, quando não tinha nada a “divulgar”, inventava alguma história,
mas sempre com um fundo de verdade. Esse “treino” o ajudou arrumar emprego como
jornalista numa revista de fofocas e escândalos na capital.
A cidade tinha crescido bastante nos
últimos anos e os habitantes e os negócios também; a praça principal continuava
muito bonita, bem iluminada, plena de
árvores de tamarindo bem cuidados, e os antigos bancos sempre bem conservados. Adorava
essa bela praça, mas ela também lhe trazia dolorosos sentimentos pelos
acontecimentos ocorridos vinte anos antes.
Bebia sua cerveja perdido nas
lembranças de sua juventude quando aos poucos foram chegando os amigos que
ficaram felizes de vê-lo. Formou-se uma
roda em volta dele e foram “botando as conversas em dia”.
Num repente, um dos amigos pediu lhe
pra contar a velha história que ainda continuava assombrar a cidade e disse
para os outros amigos: vocês saberão das coisas ocorridas “em primeira mão e de
uma fonte autorizada”.
— Tá bom! - disse Bruno. E iniciou
sua narrativa:
Eu estava com onze anos e confesso, sempre
fui fofoqueiro, mas quem não o era nesta cidade? As maledicências corriam
soltas e ninguém escapava das línguas ferinas, particularmente as dos
moralistas e das “beatas” apaixonadas pelo pároco Raul. É como diz a sabedoria
popular “cidade pequena, inferno grande”.
A figura mais popular e querida da
cidade era seu Severino, homem de sessenta e cinco anos, trabalhador incansável
desde adolescente e que viajava por toda a região levando produtos de nossa
cidade, e trazendo mercadorias da
capital. Também era generoso, ajudava às instituições sociais e escolas. Era rico,
muito rico. Possuía duas fazendas e prédios na capital. Porém sentia medo de seu
futuro, era solteirão e sem filhos e comentava com os amigos que não queria
ficar sozinho, precisava achar uma moça direita e carinhosa pra que cuidasse dele na velhice.
A novidade se espalhou rapidamente. Severino conheceu algumas “candidatas”, mas
quem o impressionou verdadeiramente foi Maíra uma bela quarentona apelidada de “Generosa”
pelas línguas afiadas e maldosas. O charme e a exuberância de suas belas formas,
além de seu sorriso permanentemente estampado em seu belo rosto, foram elementos
irresistíveis para Severino, que “ficou
de quatro por ela”. Era daquelas mulheres que fazem um homem acreditar que ele é
o único e o melhor de todos!
Casaram-se logo e as fofocas correram
em todos os tons e sons, não vou detalhá-las, vocês com certeza as imaginam! O
casamento transformou Severino, virou um títere nas mãos da Maíra, atendia
sempre seus insistentes pedidos de presentes e dinheiro. Ele continuou a
trabalhar com afinco, “agora tenho responsabilidades” dizia sempre e continuava
viajando pela região.
Essas atividades que sempre foram
habituais na sua vida de solteiro, agora eram motivo de comentários maliciosos
e insistentes que chegavam a seus ouvidos sempre insinuando a infidelidade da
Maíra durante suas ausências. O velho homem decidiu “passar as coisas a limpo”!
Simulou uma viagem de dez dias, voltaria perto do Natal – foi o disse para a
esposa.
Mas só se passaram dois dias e Severino
voltou pra cidade, na surdina. Já era muito tarde da noite e fazia muito frio. Com
passos lentos, porém decididos, chegou à
sua casa em frente à praça principal: Lá na frente - disse Bruno -
apontando com seu indicador. Severino viu logo que todas as luzes da casa estavam
apagadas, abriu a porta sem fazer barulho, e sempre em silencio caminhou sorrateiro até o
quarto. Quando bem próximo da porta, pode ouvir a voz inconfundível da Maíra.
“É ela! Mas, com quem ela está
falando?” - Esperou ainda um pouco para ter certeza de que deveria tomar uma
atitude.
A espera não demorou muito. Logo os
gemidos do casal tornaram-se bem perceptíveis. Severino sentiu-se tomado de ódio
nesse instante, segurou firme o revolver, abriu a porta e imediatamente ligou a luz. O
que viu o deixou estarrecido e sem controle gritou: Sua cadela, vagabunda! Como
pode fazer isso comigo? Como? E, você, seu cretino? - dirigindo-se ao homem - Quem diria, logo você? Vamos saiam da cama seus
sem-vergonhas! Saiam logo daí! Ela trêmula, sem jeito tentava se afastar mais e
mais de Severino temendo o pior. Levantaram-se desajeitados empurrados pelos
berros do marido traído, e quando os dois pombos iam pegar as roupas, Severino gritou com voz que denotava toda sua
dor e rancor:
Não! Nada de roupas! Vocês vão sair
como estão. Assim, pelados! Sem nada
para cobrir-se!
Ofegante, empunhando a arma, continuou a berrar:
Vamos pra rua, tudo mundo precisa
ver a cachorrada que fizeram aqui! Vamos já! - advertiu Severino - Andem rápido senão mato vocês dois aqui
mesmo!
Mas, aonde vamos? - Perguntou o amante.
Vamos pra delegacia, declarar o flagrante de adultério. E, chega
de conversa, andem rápido! – gritou Severino.
Havia bem poucas pessoas na praça
naquele horário da madrugada. Severino estava endemoniado. Levantou a mão
direita para o ar, e atirou três vezes. “BANG BANG BANG!”
Foi o suficiente para acordar a toda
vizinhança. Luzes das casas se acendiam, pessoas saiam dos bares e também vizinhos
dos quarteirões próximos.
De repente a praça iluminada já
estava fervilhando de gente.
— Mas, vejam só, é o Padre Raul! Que veado, fazer isso com seu
Severino!
— O quê que você queria cara? Replicou
outra pessoa – O Severino foi casar com vagabunda. Deu nisso!
O casal estava envergonhado, temiam
uma linchação. Além disso, a temperatura
beirava os dez graus. Nesse instante que Maíra abraçou ao Padre. Foi demais pra
seu Severino! Os olhos marejaram. Ele se posicionou e esvaziou toda a munição
de seu revólver nos corpos dos adúlteros.
Foi uma loucura só! Gente chorando
ou xingando os mortos, reações histéricas e lamentações.
Seu Severino jogou o revolver fora e
sentou num dos bancos da praça. Quando o delegado chegou e viu os corpos
inertes perguntou, cadê o assassino? Várias pessoas assinalaram o banco onde
estava seu Severino, o delegado se aproximou e mostrou-se ainda mais surpreso
quando percebeu que ele era o terceiro cadáver.
— Foi demais pra seu Severino amigos,
o velho coração não aguentou!
Foi assim meus amigos ― disse Bruno
― sem tirar nem pôr!
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