LADRA DE LONGO
Oswaldo U. Lopes
Ana Luísa tinha todas as qualidades que costumam
atrair os machos como mel às moscas.
Era bonita,
não, bonita é pouco, era linda, sensual, esguia sem ser magra, alta, é de gestos que poderiam até ser considerados
provocativos de tão elegantes e sedutores. Tinha, no entanto duas qualidades
não apreciadas pelos machos de plantão. Era inteligente, muito inteligente e
economicamente independente, totalmente independente. Esse era um grande
mistério em sua vida. O que fazia para ganhar a vida.
Filha mais velha de um casal de médicos, não podia
ser mais classe média. O pai fazia clinica geral e a mãe saúde publica. O irmão
mais novo era professor na POLI e era um reputado calculista de estruturas. A
família continuava morando no Brooklin e o irmão num apartamento no Butantã.
Ela não! Morava num belíssimo apartamento, na parte alta de Higienópolis. De há
muito os familiares haviam desistido de questionar seu modo de vida e seu “ganha
pão”, e com razão, ela não aparentava
ser nenhuma ovelha negra.
Bem e o que fazia a ovelhinha sentada numa sala no
andar de cima de uma delegacia? Havia recebido uma intimação para depor em
conjunção com o roubo de um pequeno, mas valioso quadro de Portinari. Assinava
a tal intimação o investigador Sergio Hiroito. Mais um japonês! - ela
pensou. Não a deixaram na sala de baixo junto com a população comum de um posto
policial, B.O.s aos montes. Fora discreta, mas delicadamente conduzida para o 2ºandar.
Um sexto ou sétimo sentido tocara no seu intelecto e resolvera comparecer
acompanhada de um advogado.
Antônio Pedro era colega de turma do Largo de São
Francisco. Sim era bom esclarecer, Ana Luísa era advogada formada.
Brilhantemente formada ganhara até prêmios em Direito Penal, o que viria ser
muito útil na vida que levava. Antônio Pedro era outro brilhante aluno de
direito penal e, nos tempos de hoje, não tinha mãos a medir. Criminalista bom
não para no escritório. Ele era caidinho por ela, mas mantinha as aparências e
a tratava como mais um colega de profissão, embora no íntimo exclamasse:
Mas que colega! Que talento!
Nossa ovelha vivia de aliviar os menos cuidadosos
de seus pertences em especial joias, quadros, baixelas, títulos ao portador
desses que não deixam rastros, nem para quem os tem nem para quem os surrupia.
Dinheiro em espécie também era bem vindo desde que fosse dólar ou euro. Evitava
libras, comercialização mais difícil, compradores em menor numero, e todos conhecidos da policia.
Era sem duvida pela elegância e pelo modo de agir
digna de seu ancestral, o Ladrão de Casaca, não o famoso filme de Hitchcock que
na realidade chamava-se “To catch a thief”, mas a genial criação de Maurice
Leblanc, Arsene Lupin, o ladrão que ninguém conseguia prender. O epiteto Ladra
de Longo começara a ser usado pela policia, e Sergio Hiroito sabia mais dela do
que seria desejável, ao menos para a própria. Tinha uma vaga ideia de onde
surgira a expressão LADRA DE LONGO. Não era uma questão de indumentária, quando
precisa agir escalando muros ou invadindo prédios ou casas Ana Luísa usava
invariavelmente roupas escuras e um lenço na cabeça que escondia a bonita
cabeleira e é claro o rosto. Os sugadores de parede, parecidos com os do
homem-aranha, mas de verdade e não de ficção, ela os comprara pessoalmente em
Miami e os carregara de volta. Deu azar na alfandega e tivera que abrir as
malas. Aí falou alto seu encanto e a conversa de que eram alteres para
ginastica. Não deixara rastros. Numa dessas subidas de parede para entrar num
apartamento, o lenço escapara e caíra, revelando a longa cabeleira e o delicado
perfume que um idiota da policia conseguira associar ao Armany nº7.
Devia se orgulhar, a base de um lenço uma linda
cabeleira e um caríssimo perfume, os investigadores haviam concluído ser uma
mulher (podia ser um travesti?), daí o apelido de ladra de longo. Podia até
considerar elogio perceberem que era uma mulher, porque isso ela era até com
sobras. O que será que dera errado agora para que a associassem com o pequeno Portinari?
Ela era vidrada pela série dos meninos e as pipas e este era um dos poucos que
ainda estavam em mãos de colecionadores particulares. Não cogita vendê-lo, não
agora, a “aquisição” tinha como destino sua coleção particular e secreta, muito
bem guardada por uma parede falsa no apê de Higienópolis.
Bem, a coisa ia se esclarecer, lá vinha o japonês
da estadual:
— Sra. Ana
Luísa muito prazer em conhecê-la. Vejo que veio acompanhada, mas não creio que
seja caso de advogado, ainda.
Registrou dois fatos:
1- O acento levemente irônico no “ainda”
2- Já sabia da carteira da ordem que Antônio Pedro
apresentara ostensivamente na entrada da delegacia.
— Trata-se apenas de uma curiosidade, será que a
senhora poderia nos explicar por que encontramos sua digital, o polegar em
particular num copo de vinho da casa?
Ah! Então era isso. Não fora boa ideia celebrar a
“compra” do pequeno Portinari, com uma taça de vinho dos antigos proprietários.
Não fora boa ideia, sobretudo por ser nascida num pais que tirava impressões
digitais de toda e qualquer pessoa que busque identificação. Essa mistura de
subdesenvolvimento identificatório com os maravilhosos sistemas de comparação
de digitais por computação levava a isso. Nos USA jamais dariam com ela,
achariam a impressão, mas não teriam como acessá-la, nunca fora acusada de nada
nem praticara nenhuma infração que a levasse ao teclado. Aqui, porém, bastava
nascer para tocar piano.
Pensou rápido, alias nem precisou pensar muito,
havia comparecido a uma elegante festa dias antes no apartamento em questão e
fora justamente quando dera de cara com o desejado Portinari. Tomara não uma ,
mas várias taças de vinho. Não era de estranhar que suas digitais estivessem na
taça ou taças. A história era bonita, mas pouco verossímil, a criadagem devia ter
lavado e polido tudo, com esmero e empenho e ela só tirara uma das luvas.
O japonês olhou-a com muito cuidado e fez cara de
quem se dava por satisfeito, sem estar. Azar dele pensou. Dispensados, desceram
juntos a escada e foram para o estacionamento em busca do automóvel. Foi aí que
Antônio Pedro murmurou
— Não sei o que você andou aprontando, ou melhor
sei, e acho melhor você tomar mais
cuidado no que faz.
Teve uma enorme vontade de mandá-lo à merda ou
então convidá-lo a visitar a comadre da madrinha que o pariu, mas pensou
melhor, que hoje em dia advogado criminalista não esta dando em árvore, e
apenas o envolveu no seu sorriso mais cativante. Sentiu-o flutuar embevecido e
abobalhado e recuperou sua fleuma e sua elegante postura enquanto pensava no
colar de jade que vira a perua do andar de baixo usando na tal da festa. A dama
de longo ia de novo entrar em ação usando os maravilhosos alteres de Miami.
Excelente seu conto, Osvaldo. Sempre gostei de Arsene Lupin e você conseguiu unir o supense e mistério com glamour, ficou bom demais! Parabéns!
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