Os
tempos mudam, por que não a minha sorte?
Oswaldo U. Lopes
Nossa. É
ela! Há muitos anos não a via!
Não
mudou muito, parece um pouco mais velha, mais madura, cortou os cabelos e já
não usa mais os saltos tão altos. Lembro-me que um dia ela me disse que me
amava e eu nem liguei para isso. Não liguei não é certo, fiquei horrorizado!
Naqueles
tempos, mulher que tomava a iniciativa era mal interpretada, mal vista, enfim
era galinha. Que virada, hoje elas atacam e até criaram o termo homem-galinha.
Acho curioso. Quando elas começaram a usar e abusar do palavrão, fiquei
machistamente preocupado. Há entre os ditos palavrões e gestos que os
acompanham, termos que são especialmente masculinos, tais como saco-cheio, dedo
médio erguido que muitas vezes procuram ferir a masculinidade de outro homem.
Transportados
para o sexo feminino podem soar esquisitos, e mesmo estranhos, e não vejo como
não perceber isto. O que aconteceu é que essas expressões e gestos usados por
elas, adquiriram um aspecto neutro. Quando as mulheres dizem que estão com o “saco cheio”, todo muno entende sem protestar, mesmo sabendo
tratar-se da bolsa escrotal apêndice anatômico ausente nas mulheres. Ainda não
ouvi, mas muito homem já deve dizer que esta prenhe de razão. É! O Tempora, o
Mores
Não acho ruim, foi bom viver um novo tempo só não
me perguntem o que faria se uma mulher me cantasse claramente nos dias de hoje.
Epa! Clarisse me viu e vem na minha direção, por essa eu não esperava.
Sentou-se sem pedir licença nem com gesto de cabeça
e foi falando com aquela voz suave de que me lembro tão bem:
- E então Otávio, ainda me acha muito galinha,
éramos muito jovens, quanto tempo faz? Quinze anos não?
- Dezesseis para ser preciso, Clarisse. Os tempos
são outros e nós mesmos somos outros, não é verdade?
- Acho que sim. Entrei na USP fiz arquitetura e
conheci o amor em suas variações, tive namorados e namoradas. Vou te contar, as
mulheres são melhores amantes que os homens, pelo menos para mim foram. E você?
- Também entrei na USP e fiz medicina. Não tive
namorados e, namoradas, algumas; não acho que tenha encontrado a alma gêmea ou
próxima, quer dizer, não casei.
- Também não, se não tenho dúvida em relação ao
sexo entre duas pessoas do mesmo gênero a ideia de casamento gay não se encaixa
no meu modo de pensar. Você faz alguma especialidade?
- Psiquiatria. Terapia de casais e famílias. Uso
conceitos psicanalíticos e tratamento medicamentoso, a mistura às vezes
funciona. E você?
- Urbanismo e paisagismo, a gente tenta chegar na
frente, mas parece corrida perdida. Há atribuições que são definitivamente e
permanentemente típicas de gênero. Bem, na medicina isso mudou, parece-me pelo
que li que de dez por cento do total, anos atrás, hoje as mulheres somam mais
da metade das turmas.
- Essa discussão pode ficar amarga. Há gente que sustenta
que a presença maior de mulheres na medicina se deve ao fato de que a profissão
não é mais tão rendosa como no passado e, portanto, não mais atrai os homens
que, teoricamente ainda devem responder pelo sustento das famílias. É um
conflito moderno e interessante, a civilização evoluiu num ritmo muito mais
veloz que a biologia, mas esta acaba sendo determinante.
- Como assim?
- Apesar de todas as conquistas, da produção de
energia substituindo a mão pesada nas máquinas, da mobilidade urbana representada
pelo automóvel, dos eletrodomésticos modernos, da mais que bem vida,
participação masculina na atividade dita doméstica, a gravidez ainda é um
embaraço, sem intenção de trocadilho.
- Acho que você tem razão, ainda estamos longe do
tempo em que providenciáveis chocadeiras serão instalas pelo governo e obtidas
às devidas licenças, a mulher ai vai depositar seu óvulo fecundado e continuar
sua vida, a família recebendo seu novo membro depois de nove meses de
incubadora. Mas você sabe que a mulher, sobretudo nas classes mais pobres é que
é a ancora do núcleo familiar, às vezes reunindo filhos de vários pais.
- Pelo que tenho visto no tratamento de famílias a
presença da mãe é muito importante na formação do psique da criança. É a velha história,
civilização ou biologia, sociedade de massa ou núcleo familiar, onde fica a
virtude?
- No famoso meio Otávio, Isso é tão antigo que
Aristóteles já clamava in medio! Bem o que você faz aqui neste bar, esperava
alguém?
- Esperava, mas não veio. E você?
- Idem da mesma forma. Você topa ir jantar em algum
lugar?
- Acho uma ótima ideia.
Começava a achar Clarisse muito interessante, já
não era jovem, mas ainda era bonita, vestia-se com apuro e bom gosto, em suma
tornara-se uma mulher atraente!
Da mesma forma ela pensou, que pena que não
correspondeu quando eu queria, mas quem sabe foi melhor assim, o tempo passou
muita coisa mudou, fora de nós e também dentro de nós, ainda sinto nos lábios
certo fogo e uma vontade incrível de beijá-lo.
Foi o que fizeram um pouco depois do jantar que
teve lugar num restaurante francês dos mais caretas e tradicionais com cardápio
que parecia de bistrô. E, no apartamento dela, muito bem decorado e de bela
vista para o bairro do Sumaré.
O fim da história? Nada de pomposo ou estarrecedor.
Casaram, tiveram dois filhos que não
foram gerados e criados em incubadora, e
que davam muito trabalho como todas as crianças dão.
O tempo e os costumes! Tem razão aqueles que acham
que a vida, a história, a civilização não são círculos viciosos, mas espirais
ascendentes em que cada volta passa ligeiramente acima da anterior, antes de
continuar um novo passo.
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