Estrela Cadente
José
Vicente J. Camargo
Era
sua última chance de permanecer no Grupo 4, o último das escolas de samba
oficiais da capital, representando um bairro pobre e distante da periferia. Os
moradores do bairro diziam que o erro já começara pela escolha do nome de “Estrela
Cadente” que trouxera má sorte ou “olho gordo”, segundo pai João do terreiro de
candomblé.
Há
dez anos, quando foi fundada, ficou entre as cinco melhores do Grupo 2, com várias
alas entoando o samba enredo: “Abre alas que a Estrela Cadente chegou pra
ficar”. Carros alegóricos, fantasias de luxo, mulatas nota dez e sobretudo a
bateria no ritmo cadenciado e vibrante de não deixar ninguém com “doença no pé”,
empolgou as arquibancadas aos gritos de “já ganhou! Já ganhou!”. Alguns
veículos da mídia até chegaram a divulgaram como futura integrante do Grupo Especial,
consagrando na avenida as cores vermelho e branco do seu estandarte.
Porém,
o que menos se esperava, veio chegando sem pedir licença, diminuindo de
carnaval em carnaval o brilho promissor da “Estrela Cadente”. A crise econômica
que se abateu na região foi sugando a força, o ânimo e a alegria dos seus
integrantes. A juventude do bairro, componente vital do seu sucesso, foi
mudando-se para outros bairros e cidades a procura do indispensável ganha pão.
A ajuda financeira da prefeitura, assim como o patrocínio do comércio local,
através das assinaturas no “livro de ouro”, foram-se igualmente minguando-se.
Para
o carnaval deste ano, o subsidio mal dá para cobrir os custos das “quentinhas”,
distribuídas nos ensaios na quadra da escola, e para o transporte dos integrantes
até a concentração no dia do desfile. Se for desclassificada esse ano, será cortada
da lista oficial das escolas de samba – sobrando a alternativa de virar bloco
de rua no próximo carnaval – algo que os adeptos de momo só de ouvir se benzem,
invocando a proteção dos oxuns e orixás do terreiro de pai João.
Mas
a vontade dos integrantes da “Estrela Cadente” de permanecer brilhando no
firmamento, foi maior que o desânimo. Com os pargos recursos disponíveis e sem
o patrocínio de comerciante interessado, de político espertalhão ou de barão do
jogo de bicho, o jeito foi reciclar, “tirar o pó” de fantasias e adereços de
carnavais passados. Através dos bons contatos com as escolas de outros Grupos,
recebeu doado, em nome do reino carnavalesco, instrumentos musicais recondicionados
até carros alegóricos recauchutados com esmero.
O samba enredo escolhido, não podia ser mais
apropriado: “Levanta, sacode a poeira que a Estrela Cadente vai subir”,
contagiou e comoveu os moradores do bairro. No dia do ensaio final, a quadra da
escola foi pequena para abrigar os foliões. Todos queriam prestigiar, nem que
fosse no xingado tímido acompanhando o ritmo marcante da bateria, coração da
escola, prontinha para pulsar outra vez. Entre os foliões estava Didi
−cabelereira e manicure de “porta em porta” − como rainha da bateria. Nada de
peito nem de bunda, muito pelo contrário, magrela e alta, mas possuidora de um
segredo único: além do sangue de confete e serpentina que lhe corre nas veias,
possui invisíveis molinhas nos pés que a fazem pular, saltitar, tremular de
atrair os olhares da galera embevecida, desviando-os dos dons que não possui. Ao
lado, o mestre de bateria, engolido pela energia que dela irradia, manda vibrar
nos agudos as cuícas, pandeiros, chocalhos e tamborins.
Acompanhando
o frenesi, segue o casal porta−bandeira e mestre-sala, cujo segredo não está nas
molinhas, mas nas rodinhas nos pés, que o faz rodar e girar tanto que já não
sabe mais, por si só, a direção a seguir. O pavilhão vermelho e branco que
carrega é beijado com reverência pela assistência em delírio.
E
assim, a escola desfila no som do batuque e na folia geral, aplaudida pela
vizinhança de perto e de longe, que procura esquecer os problemas que a crise causou,
despertando em todos um senso de união com ela. A “Estrela Cadente” já se pode
sentir campeã. Pouco importa o resultado oficial:
“Já
caiu uma vez, só resta subir novamente...”
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