O sortudo
Fernando Braga
Um
cavalo quando jogava futebol e desde criança, era o melhor nas peladas. Até a
adolescência era menor do que os outros, físico raquítico, desvantajado, mas tinha uma grande característica, corajoso
como um inconsequente.
Em
uma briga, levava desvantagem pelo seu tamanho, sangrava pelo nariz, pela boca,
não se cansava de apanhar e lutava até o fim, até que separassem a contenda.
Era como o aço e o ferro, o primeiro, que entorta mas não
quebra e o outro que quebra e não entorta. Puxando seu pai, cresceu menos que
os amigos, não mais do que 1,64 mts e para encorpar fez muita ginástica, usou o
método do Charles Atlas, que pediu para vir dos EEUU por correspondência,
procurou se defender interessando-se pelo judô e depois, pela luta livre. Estudou
em São Paulo e aproveitou parte de seu tempo, para também frequentar a academia
dos irmãos Gracie, conhecidíssima. Ainda como estudante, praticava esportes, o
futebol, que jogava muito bem, recebendo o cognome de Ziza, nome relacionado ao
famoso Zizinho, meia esquerda da seleção brasileira. Aonde jogasse, era sempre
um dos melhores. Tinha ainda muita aptidão para o vôlei, como levantador e
mesmo no basquete, era o cestinha. Nas férias, ia ao clube praticar esportes e
à noite gostava da sinuca, onde tirava o dinheiro dos ingênuos que aceitavam
desafia–lo. Em resumo, Cicí, que era seu apelido, era um ás em tudo o que
fazia, ao que se dedicava, exceto em duas coisas: nos estudos e no cartaz com
as meninas, que o achavam baixo e não bonito, embora muito simpático.
Na
Universidade, fez Agronomia, pois dizia: -
O futuro do país está nos campos, na produção de alimentos. O Brasil,
como o celeiro do mundo! Dirigia uma potente moto, com a qual desafiava o tempo e a
velocidade, imitando o Steve McQueen.
Tornou-se conhecidíssimo pelos colegas de toda
a faculdade por suas qualidades de grande esportista, faixa preta de judô, qualidades
estas, que chegaram aos ouvidos dos professores, que o estimavam e o aconselhavam
a estudar mais. Sua simpatia, delicadeza, espirito alegre, papo fácil, era
contagiante e todos sentiam-se felizes quando estavam com o Cicí. Não brigava
mais e era respeitado! Reconhecia simplesmente a sua liderança. Ele era um misto de Leão com macaco, aquele,
por ser temido, forte e este, por ser ágil, esperto, grande atleta. Tinha sua
filosofia. Sempre dizia:
—
Na vida não podemos ser jactanciosos, e
nunca servis!
Em
sua formatura, o orador da turma, no discurso agradecendo aos professores, à
grande Faculdade, fez várias referências elogiosas a ele, por ter alegrado a
vida de todos os colegas, fazendo-os mudarem seu jeito de ser, tornarem-se mais
alegres e mesmo mais preparados para enfrentar os percalços da vida. Até
aqueles, de anos mais baixos, teciam comentários sobre a falta que faria o Cicí,
a sua ausência dali para a frente.
Voltando
à sua cidade, conseguiu um emprego inicial, ganhando pouco, junto à Secretaria
da Agricultura e uma namorada, bonita, mas pobre, com a mesma altura, quando
colocava sapatos com salto médio nos pés. Não gostava de mulheres mais altas do
que ele, o que era tradição naquela época, embora sempre dissesse: - na cama,
todos têm a mesma altura.
Certo
dia, na rua, um vendedor de bilhetes de loteria, insistiu para que comprasse um
deles fechado, com o número da cobra, terminado em 33. Era loteria de São João,
que correria no dia 24 de junho e que daria uma boa gaita a quem acertasse. Comprou
e guardou-o no cofre.
Na
segunda feira, havia se esquecido do bilhete. Foi ao barbeiro fazer a barba,
como era comum na época. Os barbeiros eram novidadeiros, falavam muito,
principalmente de futebol e o rádio pendurado no alto, ficava sempre ligado, dando
notícias e tocando musiquinhas da época.
Com
o rosto cheio de espuma, o barbeiro começando a escanhoar sua barba espessa, a
PRB8 Radio Rio Preto, parou a música, para uma comunicação importante: - Atenção,
muita atenção, o bilhete de São João saiu para esta cidade e o número premiado
foi 226733. Ficou animado, esperançoso, pois sabia que seu bilhete terminava em
33.Saiu de mansinho, foi direto para sua casa, abriu o cofre e conferiu: 226733.
Havia
ganho uma quantia que nunca suporia ter. Foram depositados 4,5 milhões em sua
conta no Banco do Brasil. Era uma boa, excelente gaita. Mais do que corresponde
à nossa moeda atual? O que primeiro fez,
foi dar 40 mil para o vendedor do bilhete premiado, que ficou felicíssimo, deu
também um pouco para alguns familiares necessitados, algumas instituições carentes
e com os 4,2 milhões restantes, comprou uma fazenda de 400 hectares e entrou de
sócio, em uma firma que vendia implementos agrícolas, ração, produtos e
medicamentos para animais de grande porte e pequenos também. Finalmente,
resolveu casar-se com aquela que era a luz de sua vida, a razão de sua
existência, a quem namorava há 7 anos. Sua situação econômica estabilizou-se em
um nível suficiente para encarar a vida ainda melhor e ter seus filhotes.
Continuou
muito querido na cidade, jogando futebol, tipo soçaite, até os 68 anos. Quando
completou os 70, raso, deu uma grande festa no clube, convidando amigos da cidade
que eram muitos, da infância, da escola, faculdade e foi uma farra, inesquecível!
Todavia,
como tudo pode acontecer na vida, aos 77 começou a ter falha acentuada em sua
memória, que rapidamente decresceu, sendo tomado pelas mãos do hoje
conhecidíssimo Dr. Alemão, o Alzheimer. Tornou-se uma coruja, que abre bem os
olhos, presta muita atenção, mas não entende mais nada.
CiCí ou
Ciça, continua vivo, mas........que pena,
para ele e para todos que bem, o conheceram!
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