O golpe.
Ises A
Abrahamsohn
Quando
Silvio veio me propor o negócio eu já sabia que não seria limpo. Conheço o
Sílvio faz tempo. Desde sempre aplicou pequenos golpes, mutretas, enrolações...
Enfim, vivia de enganar pessoas. Teve sorte até agora. Os valores não eram
muito grandes e ele no máximo levava um soco no nariz, mas nunca foi preso.
Mudava de bairro constantemente por razões óbvias e eu estranhei quando veio me
procurar depois do expediente do banco. Falou que veio visitar a mãe que ainda
mora por essas bandas, mas é claro que não acreditei. A mãe não quer vê-lo nem
pintado. Vive com modesta aposentadoria e cansou de ser intimada para depor
sobre as malandragens do filho.
A
proposta do malandro era interessante. Não vou me fazer de boazinha. Estou
cansada dessa vidinha de bancária. Entrei com dezoito anos e é sempre a mesma
coisa. Mexo com dinheiro dos outros, mas a grana pra mim tá cada vez mais
curta. Tem filme que mostra o caixa de banco enfurnando algum sem ser
descoberto , mas isso é a maior besteira. Tudo é controlado no fim do dia .
Cada nota, cada centavo é contado e tem de dar conta. Às vezes a gente se
engana, que ninguém é perfeito. Aí vai para a nossa ficha. É pouco, uma nota
entregue a mais a um freguês num saque de caixa mesmo a gente contando e
recontando. Claro que o camarada não vai
devolver o “a mais”. Só vem reclamar se recebeu de menos.
A
jogada do Sílvio é a seguinte. O cara
vem recolher o devido ao INSS dos empregados. Eu recebo o pagamento e
autentico o recibo e ele sai achando que tá tudo certinho. Só que a grana, se
for em dinheiro, vai para minha bolsa. Se
for cheque é depositado numa conta em outro banco que o Sílvio abriu com nome
falso. A maioria dos caras paga com cheque de outro banco. Se for do meu ou
transferência a coisa não dá certo. O difícil era conseguir uma maquininha que fizesse a marcação igual à do banco, mas
essa o Sílvio já arranjou e me passou.
No
começo, fiquei com medo. Se for firma grande o contador pode ter ideia de
verificar no INSS a situação e aí apanha a gente. Mas o Sílvio disse que aqui
na agência do bairro o pessoal que vem é de pequenas fábricas ou lojas menores.
Maravilha!
Funcionou direitinho. Eu tinha muitos planos para o dinheiro. Um apartamento no
Guarujá, pequeno, que eu não sou de ostentar, e queria fazer uma viagem pra
Europa ou para os Estados Unidos. Não sei ainda... Onde os Beatles forem tocar.
Sou louca pelos Beatles, quero ir num concerto. Agora o câmbio tá bom. O
governo do Costa e Silva congelou o dólar. Dizem que o sujeito é uma anta mas
pra mim tá bom demais!
Ontem
fui encontrar o Sílvio para pegar de
novo a minha parte da grana. Já peguei trezentos mil . Mas o Sílvio sumiu. Acho
que eu já sabia que isso ia acontecer.
À
noite, a polícia veio bater em casa. Me apertaram e aí não teve jeito.
Confessei. Ainda por cima tive que devolver a grana para não ir pro
xadrez. Negócio com o Sílvio, não dá
certo mesmo...
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