O SUMIÇO DO APAGADOR
Oswaldo U. Lopes
Suzana era boa aluna, nada de excepcional, mas dava conta do recado. O que ela
gostava mesmo era de ler histórias de crimes e detetives. Como não tinha essa
matéria na grade escolar, não tirava nela as notas que merecia.
Conhecia todos os livros de Agatha Christie, Padre Brown, Sherlock Holmes entre
outros. Até o delegado Espinosa, criação nacional de Garcia-Roza, que tinha uma
memorável dispepsia, ela conhecia.
Foi aí que o apagador da sala de aula sumiu. Aliás, sumiram os apagadores de
todas as salas. O pandemônio estava armado, alguns professores não dependiam
tanto deles, mas para outros era uma ferramenta imprescindível. O mais
dependente era o Eugênio, terrível professor de matemática que adorava encher o
quadro-negro, hoje em dia verde escuro, de equações e números.
A bem da verdade, e para total desconforto dos alunos, quase que só usava
números do tipo m ou n, quando não inventava números simples, só que elevados à
letras. Aí era onde metade da turma sobrava e a outra metade pensava em fazer
um filme, do tipo:
“Como matar o seu professor de matemática e sair-se bem na foto”.
Suzana começou a matutar e lembrou-se da máxima latina muita usada pelos
detetives de ficção:
“Qui profit?” Aí empacou. Os que lucrariam com o sumiço dos apagadores,
compunham uma lista em que figuravam pelo menos a metade dos alunos do Ensino
Médio, ou a totalidade dos alunos do Eugênio.
Como se chamava o investigador japonês? Hiroito o da estadual, por oposição ao
Japonês da federal que ficou famoso na lava-jato. Como ele operaria? Pense em
coisas pequenas que pareçam irrelevantes.
Que fora um aluno, ela não tinha duvidas, mas qual. Resolveu, como faria o
Hiroito, procurar pequenos detalhes que passariam despercebidos para a maioria
das pessoas.
Apesar de ser um colégio moderno, com professores jovens e equipes de pedagogia
acompanhando o curso, os quadros-negros que agora eram verdes, ainda usavam giz
e apagadores de pano que recolhiam e faziam pó.
E no pó Suzana vislumbrou a solução. Pôs-se a procurar rastro ou vestígios de
pó de giz pelos cantos e corredores. Não era tarefa fácil, porque em nome da
modernidade tudo era pintado ou revestido de cores muito claras que não contrastavam
com o pó de giz.
Enquanto os professores, diretores e pessoal de apoio, tentavam entender a
coisa, as aulas não recomeçavam, e sentia-se no ar a alegria geral da
molecada. Procurando no pó, o pó de giz, Suzana chegou ao armário do
Sérgio, aluno médio do Ensino Médio, mas danado para armar uma boa.
Pensou em arrombá-lo e escancarar o criminoso, mas aí parou. Conhecia o Sérgio
que se não era assim aquela coisa, era razoavelmente próximo de ser um gato.
Resolveu procurá-lo. Encontrou-o num canto do pátio com outros amigos e com uma
cara de malfeito disfarçando o óbvio. Chamou-o de lado e fez a proposta:
Devolução secreta dos apagadores e não se falava mais disso. Ninguém ia ficar
sabendo. Sérgio sentiu- se encurralado, não tinha saída, não sabia como ela
chegara nele de modo que não sabia como apagar pistas. Enfim, pensou a oferta
era boa, devolver em silêncio, sem deixar rastros. Ele escapava de ser acusado
como autor da façanha e Suzana prometera não revelar nada a ninguém.
No cair da tarde, hora de ir embora, no meio da pequena confusão, conseguiram
juntar todos os apagadores numa mochila e descarregá-la numa das salas.
Seriam encontrados todos juntos, mas com o fim do sumiço, ninguém se importaria
de como e porque, mas sentiriam alivio no agora. Era o que importava, eles
apareceram e amanhã estarão a postos para as aulas.
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