MORTITO. - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.





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MORTITO.
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO. 




Há já a algum tempo Nelson não estava satisfeito com seu trabalho considerando atividade inferior, não apropriada pra ele, indigna de frente à sua dignidade, princípios e capacidade. Julgava-se destinado a outras profissões, inclusive intelectuais. Queria mostrar suas habilidades, manuais que fossem. Queria andar asseado, com roupa decente, ter as mãos limpas, sapatos engraxados e, principalmente, não sentir mais cheiro de defunto.

Hoje, no pedaço do Campo Santo que lhe coube para preparar foi cavando devagarinho, resmungando baixinho, amontoando a terra no lado esquerdo do buraco preparando-o para receber o ex-terráqueo. Sim! Estaria morto, seria ex-terráqueo. Não tinha visto o filme do ET olhudo - coisa mais feia de ver - mas era de filme, né? Pois é. O que ia morar ali era de verdade, não era de cinema. Entende a diferença do meu entender? O chato é que o pedaço ficava feio, a terra nua mostrando seus defeitos e feiura. Cavando só um pouquinho podia ficar diferente, ficar espaço raso, liso, bem retinho. Poderia ficar bonito. Ele podia mostrar sua competência profissional e pleitear promoção com maior ordenado. É tocar o barco em frente.

Isso resmungado, pronta a cova rasa, andou por todo o cemitério colhendo flores, apropriando-se de estátuas, vasos, floreiras, alguns enfeites de passarinhos, anjinhos e santos de olhos voltados ao céu. Voltou à cova iniciada, deu nela aquilo que chamou de ótimo tratamento e ordenou a disposição dos seus achados. A seu ver ficou tão bacana que poderia ser pra ele mesmo ficar por ali.

Chorou ao ser repreendido pelo que fez dizendo
FIZ PARA O MORTITO FICAR FELIZ AO CHEGAR.



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