Ação entre amigos
Ises
A. Abrahamsohn
Como qualquer judeu praticante sabe, ser
convidado para tocar o Shofar por ocasião do Ano novo é uma grande honra. Os
influentes na direção da congregação se reúnem um mês antes das grandes festas
para decidir a que m caberá a honraria. Efraim tinha certeza que dessa vez seria
o escolhido. No ano anterior tinha sido Isaías e no retrasado fora Daniel. Os
três eram amigos de longa data, mas a o fato de ter sido preterido duas vezes
tinha magoado Efraim e azedado a antiga amizade. Agora mal se falavam.
Raquel, mulher de Efraim, tentou muitas
vezes convencê-lo de que não valia a pena se afastar dos amigos por essa razão.
Porém para o marido tornara-se uma questão de honra. Um mês antes, dia sim, dia
não, ele repetia ao jantar: ─
Esse ano é a minha vez, eles vão ver. Se eu não for indicado, vou mudar de
congregação. Afinal eu sempre apoiei a atual direção e contribuí muito para a
Casa da Juventude. E você, que ajuda tanto no grupo de costura e no lar dos
velhos.... Eles têm que reconhecer... E Efraim se exaltava, o que deixava
Raquel muito preocupada. Ele já tinha tido um infarto e várias intervenções, e
ela temia que ele tivesse outro se não fosse o indicado. Ela sabia que o marido
às escondidas dava a entender a quem encontrasse que agora era a vez dele.
Raquel foi falar com o rabino. Este não
lhe deu nenhuma dica mas alertou-a de que agora Isaias e Daniel faziam parte do
comitê de escolha. Ela sabia que o marido jamais iria procurar os antigos
amigos para fazer, digamos, um lobby em seu favor. Ao ouvir pela enésima vez a
falação do marido, e ver ele se exaltar e a pressão subir, Raquel se decidiu.
Era uma mulher prática. Iria procurar os dois. Ambos a receberam gentilmente,
porém foram cautelosos. Vamos ver o que pode ser feito, disseram.
Chegou finalmente o grande dia. Era o segundo
dia e ao cair da noite se encerraria a celebração do Ano Novo, Rosh
Hashaná. Efraim estava tenso, aguardava
de pé com o manto ritual e o livro de orações na mão. Já tinha sido lido o trecho da Torah
correspondente ao dia e agora ainda havia algumas rezas. Raquel, do mezanino
reservado às mulheres olhava preocupada para o marido lá embaixo. Percebia como
ele estava nervoso. De vez em quando
ele lhe lançava um olhar angustiado. Ela fazia sinais com as mãos para ele se
acalmar. Os dois amigos, Isaías e Daniel já estavam à frente ao lado do
parlatório e junto do cantor. O rabino se aproximou do microfone para o tão
esperado anúncio. Efraim não se aguentava de tanta ansiedade. Porém o rabino
iniciou um preâmbulo sobre o significado do toque do Shofar e a sua importância
no ritual. Efraim irritado pensou: Blá, Blá, blá, vamos logo ... chega de
conversa mole. Diga logo o nome...
Após mais alguns torturantes minutos o rabino
finalmente anunciou: Efraim Rabinovitch.
Um imenso alívio percorreu seu corpo e a
alegria invadiu sua alma. Sem disfarçar
o contentamento, ereto, sorrindo à esquerda e à direita andou devagar até onde
estavam os amigos. Isaías cerimoniosamente lhe passou o longo chifre de
carneiro. Daniel ficou também a seu lado.
Efraim tomou fôlego e soprou. Uma vez, depois
respirou fundo, encheu de novo os pulmões e soprou uma segunda vez. Os sons saíram
perfeitos. Efraim sorriu levemente para seus dois amigos enquanto fazia uma
breve pausa para se recuperar. Com esforço soprou pela terceira vez e o som
rude e áspero ecoou forte até a abóbada e para todos os cantos da sinagoga.
Ainda teve tempo de escutar do rabino a
frase final: No próximo ano em Jerusalém! Depois veio aquela dor aguda no
peito, tão insuportável que não aguentou e caiu amparado pelos amigos. O médico
de plantão acudiu com todos os recursos enquanto outros chamavam a ambulância.
Não adiantou, após quinze minutos estava morto.
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