DESILUSÃO
Paulo
A Abrahamsohn
Tudo
começou no dia em que encontrei um envelope cor de rosa na porta de minha casa.
O perfume suave e agradável que ele exalava me produziu uma sensação que não
consegui identificar. Não tinha sido enviado pelo correio, foi depositado por alguém.
Eu
tinha tido uma vida muito atribulada. Passei por muitos momentos, alguns
alegres, porém a maioria tristes e amargos. Tive poucas amizades, poucos
amores. Eu acabara de mudar para aquela cidade e não conhecia ninguém que
morasse lá. Curioso, abri o envelope e dele retirei um cartão em que li
seguinte:
José
Ricardo
Sei
de algo que te interessa muito. Para descobrir, venha amanhã depois de 7 da
noite ao local indicado a seguir.
Ande pela estrada que sai da cidade até chegar em uma oficina de serralheiro. Entre à direita seguindo a seta em direção a Bom Descanso. Após cerca de 300 metros verá uma casa abandonada. Continue ao longo do muro da casa. Chegando em uma grade de ferro procure um portão. Atravesse-o e caminhe para frente. Não se esqueça de trazer nas mãos um pequeno ramo de flores.
Ande pela estrada que sai da cidade até chegar em uma oficina de serralheiro. Entre à direita seguindo a seta em direção a Bom Descanso. Após cerca de 300 metros verá uma casa abandonada. Continue ao longo do muro da casa. Chegando em uma grade de ferro procure um portão. Atravesse-o e caminhe para frente. Não se esqueça de trazer nas mãos um pequeno ramo de flores.
Intrigado
reli o bilhete várias vezes. Matutei bastante e, ao final, decidi seguir as
instruções. Confesso que não dormi bem naquela noite. Acordei várias vezes e me
revirei muito durante um sono pesado. Mas, na manhã do dia seguinte, mais
calmo, retomei meu trabalho na tradução das obras completas de Stefan Transki, tarefa
que me ocupou o dia inteiro.
Por
volta de seis horas da tarde sai de casa levando o cartão e não esqueci de
pegar algumas rosas no jardim com as quais fiz um pequeno buquê. Fui pela estrada
até encontrar a oficina, entrei à direita e andei por um estreito caminho que me
levou até uma casa abandonada de construção bastante simples. Seu jardim estava
tomado por desordenada mistura de plantas, que há muito não haviam sido
cuidadas. Andei ao longo do alto muro da casa. O caminho era muito estreito,
calçado por pedras irregulares. Meus pés doíam pela dificuldade do trajeto e,
enfim, cheguei à grade de ferro. Parecia muito antiga e estava toda enferrujada,
corroída pelo tempo. Achei a porta em cujo centro havia uma enorme cruz de
ferro. Com muita força consegui empurrá-la o suficiente para me esgueirar e
passar para o outro lado. Neste havia uma pequena colina coberta de capim e na
qual me esforcei para chegar ao alto. Chegando lá tive a visão de onde eu
estava: era um cemitério antigo, bastante maltratado e sujo, com plantas
crescendo nos corredores e sobre as lápides e esculturas. Parecia estar deserto,
mas, subitamente, percebi ao longe um vulto branco correndo entre os túmulos. Vestia
uma longa veste branca que alcançava o chão. A cabeça estava coberta por um
capuz branco e o rosto escondido por um véu. Resolvi andar em direção do vulto,
mas tive que correr, pois se movia rapidamente mudando várias vezes de direção
e escondendo-se entre os túmulos. Não conseguia alcançá-lo. Várias vezes voltou
seu rosto em minha direção. Após olhar pela última vez desapareceu da minha vista
e eu, cansado e arfando, parei onde estava para descansar e sentei sobre uma
lápide. À minha frente um túmulo chamou a minha atenção, pois era o único no
qual havia lindas flores recém colhidas. Curioso, aproximei-me do túmulo e na
lápide li: Maria Josélia Guimarães, 1984-2013. Fiquei paralisado. Era a minha
Maria Josélia. Um amor antigo, mas que não deu certo. Que saudade! Reparei que
sob as flores havia um jornal. Abri e vi que era uma edição antiga do jornal da
cidade. Na página aberta havia a seguinte notícia: Faleceu Maria Josélia
Guimarães, ilustre escritora, filha de nossa terra. Tinha uma carreira
promissora, mas nos deixou na flor da idade. Participaram de seu enterro sua
irmã Maria Carmen e amigos de infância. Soubemos que ela tirou sua vida depois
de um longo período de desgosto após sua separação do escritor José Ricardo
Medeiros.
O
perfume do envelope. Era o Amour Toujours, o perfume predileto de Maria Josélia.
Desiludido e desgostoso comigo mesmo deixei o meu buquê de rosas no túmulo e saí
derramando lágrimas por todo o caminho de volta.
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