PEQUENINIM
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO
Lembro-me
perfeitamente bem da casa de madeira, velha e abandonada à beira do barranco,
verdadeiro precipício, caída para um lado devido ao vento quase constante que
por ali rugia; lembro-me da pequena horta, da coelheira sem coelhos, dizimados
que foram, do galinheiro invadido na correria medrosa dos garotos para apanhar
ovos e do pombal tido como suposto abrigo de pombos correio transportando
mensagens secretas, e do guardador do local classificado como fugitivo da
justiça. Sem a boina sebosa, curvado, diziam os mais velhos que lembrava o
Corcunda de Notre-Dame. O populacho concordava sem saber bem donde era esse
fulano.
Quase
tudo nele, com ele ou usado por ele, era pequeno: estatura, mãos, pés, rosto,
menos o nariz e a testa. Comprido e adunco aquele; esta, ampla, a meu ver mais
de calvície e idade do que por sinal de sabedoria, arquivo de fatos, coisas,
pessoas ou conhecimento. Engenhoso ele era. Inteligente? Tinha que ser ou não
seria engenhoso. Era arredio a contato com as pessoas do vilarejo. Cumprimentos?
Só aos que o interessavam: ao dono do armazém, da farmácia, ao dentista, ao
médico, ao delegado. Sim, o vilarejo de umas mil e poucas pessoas tinha um que
se autoproclamara. Na verdade, era guarda rural. Fazia as maiores desfeitas ao
corcunda dirigindo olhares tortos, sinais com dedos e mãos, gritos de xô, xô à
sua passagem e alguns sussurros ferinos. Isto e mais algumas suposições ajudavam
conhecer a quase realidade do Tom, o apelidado
Tom Mix do delegado. A verdade é que
ninguém sabia seu nome.
Ermitão,
caladão, apesar do falatório e conjecturas alimentadas pelo disse que me disse,
a verdade é que não se sabia o porquê ou para quê alugou ou comprou a casa de madeira caindo
aos pedaços. Mais estranho ainda tudo ficou quando começou a reforma, pintura,
colocação de pequenos maquinismos apropriados para trabalhar metais. Cercou a
casa com verdadeira paliçada protegendo-a dos estranhos e curiosos que já se
contavam a grupos numerosos ativos e maliciosos.
Sem
se importunar, trabalhava de sol a sol. Parava e deixava a casa uma vez por mês
para se abastecer. Era pouco. O mais colhia ou arrancava do solo da herdade.
Herdade, grande herdade! Os fofoqueiros diziam gozando e rindo.
Concluída
a reforma, convenientemente instalado, suportando gracejos, ironias e desfeitas
Tom Mix levava a vida qual monge em
retiro. Pouco visto, detestando presença de estranhos, ficou cada vez mais
recluso, tornou-se quase invisível. Só era visto à noite falando e cantando às
estrelas e à lua. Declamava e cantava versos conhecidos, como “Tão longe, de mim distante, onde irá, onde
irá teu pensamento” ...e o pessoal dizia que ele tinha dor de cotovelo. Ao declamar “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”...diziam que era do Nordeste
e seu amor estava lá. E outras coisas. O fato é que juntava gente,
principalmente namoradinhos, para ouvir e, pasmem, aplaudir. Às vezes tocava
música estrangeira e a turma se perguntava donde vinha a eletricidade pra
vitrola. Donde? Lá fora não se viam postes nem fio algum! Palpitando, a vitrola é
daquelas de dar corda com manivela! Respondiam os mais sabidos.
Parece
que ficou aborrecido com a constante presença de pessoas ao redor de sua
propriedade. O fato é que aos poucos foi cantando menos vezes, não era mais
visto e suas idas à vila foram rareando não mais aparecendo. Todos se
perguntavam o que teria acontecido. Teria abandonado a casa, a herdade? Teria
morrido?
Alguns
curiosos chegaram a verificar, mas fugiam em desabalada corrida quando ouviam o
som de portas batendo, gemidos, choros, risadas raivosas, xingamentos, uivos e
latidos de animais além de sentir coisas roçando suas pernas, aranhas
embaraçando seus cabelos e esguichos de fétida água barrenta, fora os
carrapatos hospedados e formigas mordiscando a pele.
Aí
o delegado disse que isso não podia continuar assim e no exercício de suas
funções formou um grupo de pessoas pra verificar como e o porquê desses
acontecimentos e do sumiço do Tom Mix.
Examinaram várias hipóteses e nenhuma era plausível. O delegado então sugeriu
que fossem verificar no local. Marcou dia e hora. A reação foi imediata “À noite eu não vou” disse um. “Só se for durante o dia”, disse outro e
mais outros. Pra acabar com o vozerio e decidir o assunto, o delegado usando sua
autoridade disse a plenos pulmões “Bem,
vai ser na quarta às duas da tarde. A gente se encontra no portão da Delegacia.
Todo mundo trás lanterna, vela, fósforos e corda de náilon. Nada de arma de
fogo. Se tiver, eu confisco. Combinado?” Diante dos tantos SIM, encerrou a reunião, cada um foi
pra sua casa onde o assunto do jantar foi o trato com e do delegado. A partir
daí a vila só viveu na expectativa dos que diziam ser a busca e apreensão do Tom Mix, o Corcunda da Vila Souza.
A
Quarta Feira chegou, o pessoal se juntou sob comando do delegado e marchou em
direção à herdade. Quase chegando foram notadas algumas pequenas mudanças no
caminho de terra: buracos tapados, sarjetas de contenção pra água, algumas
flores.
O
silêncio era tanto que dava pra ouvir o zumbido das moscas varejeiras voando ao
redor. Transpondo pequena elevação deu pra ver a casa, a chamada herdade. Não
havia mais a alta cerca. A casa estava conservada, mas havia algo novo:
cartazes com figuras coloridas e outros escritos. Ninguém aguentou. Correram
para verificar e leram:
INAUGURAÇÃO
DO MUSEU DO TOM MIX DIA 5 ÀS 19 HORAS.
ENTRADA
GRATIS.
VENHAM
E TRAGAM A FAMILIA!
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