NA REDE DO TIO CUNHA
Suzana da Cunha Lima
Naqueles idos de 50/70, Ipanema era a
praia mais democrática do mundo, onde pouco valiam títulos universitários,
carrão e dinheiro no bolso. O importante era gostar de praia, do sol e do mar,
se possível, de algum esporte, de jogar conversa fora e apreciar o invejável
bronzeado de suas belas mulheres. Embora fosse uma única faixa de areia branca,
que se espalhava do Leblon ao Arpoador, era povoada de diversas tribos
distintas, esportistas, surfistas, intelectuais, artistas, tudo que significasse
vanguarda. Um caldeirão fervilhante de ideias, atitudes, ousadias, bizarrices. E isso influenciou muito as gerações
posteriores, tornando o Rio de Janeiro uma cidade cosmopolita, imprimindo o
atual jeito de ser do carioca.
Pois, foi exatamente ali, em Ipanema, onde
a rua Montenegro se encontrava com a Avenida Vieira Souto, à beira do mar, que
havíamos colocado nossa rede de vôlei. Um dia, alguém levou Joel para jogar em
nossa rede. Foi um alvoroço no meio das
garotas. Tinha estampa, o moço, e marcava presença com um sorriso encantador.
Não era muito alto, mas compensava isso pulando muito. Mostrou-se um excelente
cortador e me adotou como sua levantadora preferida. Durante algum tempo fizemos uma dupla
poderosa. Um dia eu me mudei para São Paulo e tive que me acostumar jogar em
quadra. Mas quando eu podia, em feriados ou férias, voltava ao Rio e ao vôlei
de praia, o meu primeiro amor. Jogar olhando aquela beleza de mar à frente,
valia a canseira da viagem e o calor de 40 graus. Reparei que Joel não jogava
mais lá e ninguém soube o rumo que ele tinha tomado. “ Vai ver que mudou de
rede, quem sabe? ”. Depois as especulações se acabaram, Joel sumiu mesmo e nunca
mais se ouviu falar do italianinho de olhos verdes da rede de tio Cunha.
Nossa turma continuava firme, ali, em
frente à rua Montenegro. Num domingo de sol, enquanto aguardávamos nossa vez de
jogar, uma moça muito bonita, de biquíni, passou por nós, a caminho do mar. Mas,
aquela parecia especial. Os homens embasbacados, não tiravam os olhos dela.
Ficaram ali hipnotizados, olhando seu balanço até ela mergulhar. Ela saiu do
mar sacudindo os cabelos molhados e percebeu o frenesi masculino. Estacou,
olhos franzidos como a recordar alguma coisa. De repente, parece que nos reconheceu porque
disse sorrindo na maior simpatia: “Que bom encontrá-los aqui, como nos velhos tempos!
”.
E ante os rostos estupidificados da ala
masculina e da estranheza da feminina, completou:
— Eu era o Joel, gente. Mas sou Joana
agora. Por isso vocês não me
reconheceram... continuam jogando aqui na rede de tio Cunha?
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