Os misteriosos assassinatos da Rua Mênfis - Ises A. Abrahamsohn


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Os misteriosos assassinatos da Rua Mênfis
Ises A. Abrahamsohn



Carla soube da morte do gato da Dona Feliciana pela mãe. O coitadinho ainda se arrastara até a porta da cozinha antes de esticar as quatro patas no capacho. A vizinha estava inconsolável. O bichano era a sua companhia mais constante depois que a filha tinha se mudado para Minas. Era o segundo caso de assassinato felino na vizinhança. O primeiro tinha sido na casa de Adélia, a professora de piano de Carla que morava no fim da rua. A moça ainda tentara levar o moribundo até a clínica mais próxima, mas sem resultado.  A veterinária lhe disse que o gato tinha ingerido veneno de rato de maneira acidental ou tinha sido envenenado. Adélia tinha certeza que fora envenenado. Carla adorava gatos e tinha dois, Mina e Tino. Prometeu para a professora que iria investigar. A menina adorava histórias de detetive. Tinha aquele pendor para elucidar acontecimentos misteriosos. Sabia aos doze anos que mistérios não resistem a uma boa investigação. A notícia do segundo gaticídio requeria ação.

Carla foi falar com Dona Feliciana para colher informações. A boa senhora lhe disse com lágrimas nos olhos que Petisco provavelmente também morrera envenenado. O assassino devia ter colocado o veneno dentro de um bolinho de peixe. Petisco era louco por peixe. Ainda cheirava a peixe quando o encontrou e a saliva abundante na boca era sinal de envenenamento. Quanto ao possível criminoso a velha senhora disse suspeitar do vizinho do outro lado da rua que se mudara recentemente com várias gaiolas de passarinhos.

Acredite minha filha, esse pessoal que tem passarinho odeia gatos. Eles acham que os gatos estão de tocaia para atacar os passarinhos deles. Eu, aliás, acho uma crueldade manter as avezinhas em gaiolas.  É claro que gatos caçam passarinhos, mas no jardim, não dentro de gaiolas e os nossos gatos aqui da rua todos têm dono e são bem alimentados.

Carla ainda não sabia o nome do vizinho passarinheiro, mas logo iria saber. Ao voltar para casa aproveitou que o rapaz estava cuidando do jardim à frente do sobrado e parou para conversar, assim como quem não quer nada. Logo soube que o rapaz, de fato, tinha muitos passarinhos que ele repetiu que tinham nascido em cativeiro. Carla viu no quintal várias gaiolas de periquitos australianos coloridos. Mesmo sabendo serem de cativeiro não gostava de ver os bichinhos em gaiolas. De passagem reparou na estante da área. Viu formicida e também um saquinho com grânulos azulados e uma caveira estampada.

Puxa, você achou muitos insetos na casa?

O rapaz respondeu que não, mas na casa anterior onde morara havia camundongos, formigas e baratas e agora tinha que se livrar desses venenos. Não podia jogar no lixo porque seriam perigosos para o ambiente e eventuais animais.  A garota contou dos gatos desaparecidos e perguntou se ele os vira. A negativa foi enfática.

Ou ele é um mentiroso de marca, ou de fato não tem nada a ver com o caso.

Carla voltou para casa pensando como poderia identificar o matador dos gatos e como agir para impedir novas mortes. Decidiu fazer um impresso para distribuir aos moradores avisando aos donos de gatos do perigo. Essa parte foi fácil, escreveu o texto, imprimiu trinta cópias que colocou em envelopes marcados com o aviso: 

“Cuidado com seu gato! Há um envenenador de gatos à solta.”

No início tinha pensado em colocar nas caixas de correio, mas decidiu distribuir pessoalmente. Assim poderia dar uma boa olhada nos moradores e identificar alguns suspeitos. Ainda bem que a rua era curta com apenas quatro quarteirões.

Carla fez no caderno uma lista das casas e respectivos números. Assim, após falar com os vizinhos, poderia assinalar as impressões sobre os suspeitos. Ela achava que em três tardes conseguiria mapear os moradores da rua. Na verdade, demorou bem mais. Trabalho de detetive é duro.

Em várias casas não havia ninguém, os donos trabalhando, e em outras não quiseram falar com ela.  Em oito das vinte moradias havia gatos e as pessoas ficaram agradecidas pelo aviso.  Em outras seis, havia cachorros. 

Carla raciocinou que o matador de gatos não devia ter nenhum pet.

Os donos dos cães não foram descartados, mas não lhe pareceram serem inimigos de gatos. Resolveu concentrar-se nas dez casas restantes.  Já estava chegando aos números do começo da rua quando ouviu alguém tocar violino. Puxa, pensou Carla, que rua mais musical. Numa ponta mora uma pianista e aqui tem alguém que dá aulas de violino. O violino era bastante desafinado. Deve ser um aluno, como eu. Vou esperar. Enquanto esperava a aula acabar para tocar a campainha, Carla conseguiu falar com o pessoal de três casas próximas. Não obteve nenhuma informação em duas, porém noutra bem em frente ao violinista, morava um lindo gato amarelo, Charlie, cujo dono era Rodrigo, um garoto que conhecia da escola, um ano à sua frente. Foi Rodrigo que lhe avisou para ficar de olho no músico.

Rodrigo disse que não queria acusar ninguém, mas sabia que o homem não gostava de gatos porque por duas vezes o ouvira xingar Charlie quando este tinha entrado no jardim da casa do músico. Porém daí a envenenar gatos....

Carla apertou a campainha da casa do violinista. Um homem alto, de cabelos grisalhos amarrados na nuca e mal-humorado abriu a porta. A garota começou a explicar, mas o irritado violinista nem quis ouvir.

Não quero saber de gatos! Não gosto de gatos! Me infernizam a vida! Fora daqui.... E bateu a porta com violência. A garota assustada com a reação do homem saiu correndo na direção da casa de Rodrigo que ficara olhando pela janela.

Tenho certeza de que é ele o matador, disse ela, mas, como posso provar?

Enquanto tomava um copo d’água, para se acalmar, Carla teve a ideia.

Rodrigo, se você descobrir o nome dele podemos checar na loja de plantas do bairro se ele comprou algum veneno. No dia seguinte o garoto descobriu o nome do violinista ao ver uma revista meio para fora da caixa de correio. Belarmino Guedes, era o nome. Mais difícil foi Carla verificar se ele tinha comprado veneno de rato. A dona da loja de plantas não lembrava de ter vendido. Desapontada, a garota ia saindo quando o balconista a chamou:

Cara mal-educado e impaciente, lembro bem.... Comprou veneno de rato e quando eu quis explicar os cuidados a tomar com o produto o desaforento disse não precisar de lição como usar.

Carla e Rodrigo resolveram confrontar o violinista. Armaram-se de coragem e na mesma tarde lá foram. Quando o músico abriu a porta disseram imediatamente:

  Sabemos que foi você quem envenenou os gatos da Adélia e da Dona Feliciana. Se não confessar vamos à polícia denunciar.

O homem tentou fechar a porta, mas os dois impediram. Possesso, começou a gritar.

Não aguento mais os gatos! Malditos gatos!  Quando começo a tocar, às vezes um, outras vezes dois ou três se põem a miar e uivar no muro de casa. Estou ficando louco! Quando eu era estudante meu professor dizia e repetia que eu só produzia o que ele chamava de Katzenjammer.  Em alemão quer dizer uivo de gatos. Toda hora, era Katzenjammer! Por mais que eu me esforçasse lá vinha... Katzenjammer! Podem imaginar? E agora vêm esses gatos malditos miar no meu muro. Não aguento mais!  Sempre os gatos! E o violinista sentou na soleira da porta e começou a chorar. Não parava de chorar e entre soluços balbuciava: eu sei tocar ... não é Katzenjammer... odeio aquele professor... odeio gatos...!

Passado o primeiro susto, Carla e Rodrigo olhavam até com certa pena o infeliz músico. Amedrontado, ele repetia:

Não vão chamar a polícia, não é?  Não posso perder meus alunos. Juro que não mexo mais com os gatos!

Vontade a gente tem, respondeu Carla. Você merece! É crime, sabe disso, não é?  Só queremos que pare de envenenar os gatos.... Eles não têm culpa. Só respondem ao som do violino. Por que você não toca viola?

Sem saber o que mais fazer ou falar e nem esperar resposta do neurótico violinista, os dois jovens correram para a casa de Rodrigo. Carla, amedrontada, esperou ainda algum tempo antes de voltar para casa. Passou a dar uma grande volta para evitar passar pela casa do violinista. Porém, Rodrigo, alguns dias mais tarde, a acalmou. Contou que o tal Belarmino de fato passou a tocar viola. Nenhum gato vinha mais miar perto da casa e também nenhum gato mais morreu na rua Mênfis.



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