Os
misteriosos assassinatos da Rua Mênfis
Ises A. Abrahamsohn
Carla foi falar com Dona Feliciana para
colher informações. A boa senhora lhe disse com lágrimas nos olhos que Petisco provavelmente
também morrera envenenado. O assassino devia ter colocado o veneno dentro de um
bolinho de peixe. Petisco era louco por peixe. Ainda cheirava a peixe quando o
encontrou e a saliva abundante na boca era sinal de envenenamento. Quanto ao
possível criminoso a velha senhora disse suspeitar do vizinho do outro lado da
rua que se mudara recentemente com várias gaiolas de passarinhos.
─ Acredite
minha filha, esse pessoal que tem passarinho odeia gatos. Eles acham que os
gatos estão de tocaia para atacar os passarinhos deles. Eu, aliás, acho uma
crueldade manter as avezinhas em gaiolas. É claro que gatos caçam passarinhos, mas no
jardim, não dentro de gaiolas e os nossos gatos aqui da rua todos têm dono e
são bem alimentados.
Carla ainda não sabia o nome do vizinho
passarinheiro, mas logo iria saber. Ao voltar para casa aproveitou que o rapaz estava
cuidando do jardim à frente do sobrado e parou para conversar, assim como quem
não quer nada. Logo soube que o rapaz, de fato, tinha muitos passarinhos que
ele repetiu que tinham nascido em cativeiro. Carla viu no quintal várias
gaiolas de periquitos australianos coloridos. Mesmo sabendo serem de cativeiro não
gostava de ver os bichinhos em gaiolas. De passagem reparou na estante da área.
Viu formicida e também um saquinho com grânulos azulados e uma caveira
estampada.
─
Puxa, você achou muitos insetos na casa?
O rapaz respondeu que não, mas na casa
anterior onde morara havia camundongos, formigas e baratas e agora tinha que se
livrar desses venenos. Não podia jogar no lixo porque seriam perigosos para o
ambiente e eventuais animais. A garota contou
dos gatos desaparecidos e perguntou se ele os vira. A negativa foi enfática.
Ou
ele é um mentiroso de marca, ou de fato não tem nada a ver com o caso.
Carla voltou para casa pensando como
poderia identificar o matador dos gatos e como agir para impedir novas mortes.
Decidiu fazer um impresso para distribuir aos moradores avisando aos donos de
gatos do perigo. Essa parte foi fácil, escreveu o texto, imprimiu trinta cópias
que colocou em envelopes marcados com o aviso:
“Cuidado com seu gato! Há um envenenador
de gatos à solta.”
No início tinha pensado em colocar nas
caixas de correio, mas decidiu distribuir pessoalmente. Assim poderia dar uma boa
olhada nos moradores e identificar alguns suspeitos. Ainda bem que a rua era
curta com apenas quatro quarteirões.
Carla fez no caderno uma lista das casas
e respectivos números. Assim, após falar com os vizinhos, poderia assinalar as impressões
sobre os suspeitos. Ela achava que em três tardes conseguiria mapear os moradores
da rua. Na verdade, demorou bem mais. Trabalho
de detetive é duro.
Em várias casas não havia ninguém, os
donos trabalhando, e em outras não quiseram falar com ela. Em oito das vinte moradias havia gatos e as
pessoas ficaram agradecidas pelo aviso. Em
outras seis, havia cachorros.
Carla raciocinou que o matador de gatos
não devia ter nenhum pet.
Os donos dos cães não foram descartados,
mas não lhe pareceram serem inimigos de gatos. Resolveu concentrar-se nas dez casas
restantes. Já estava chegando aos
números do começo da rua quando ouviu alguém tocar violino. Puxa, pensou Carla,
que rua mais musical. Numa ponta mora uma pianista e aqui tem alguém que dá
aulas de violino. O violino era bastante desafinado. Deve ser um aluno, como eu. Vou esperar. Enquanto esperava a aula
acabar para tocar a campainha, Carla conseguiu falar com o pessoal de três
casas próximas. Não obteve nenhuma informação em duas, porém noutra bem em
frente ao violinista, morava um lindo gato amarelo, Charlie, cujo dono era
Rodrigo, um garoto que conhecia da escola, um ano à sua frente. Foi Rodrigo que
lhe avisou para ficar de olho no músico.
Rodrigo disse que não queria acusar
ninguém, mas sabia que o homem não gostava de gatos porque por duas vezes o
ouvira xingar Charlie quando este tinha entrado no jardim da casa do músico. Porém
daí a envenenar gatos....
Carla apertou a campainha da casa do
violinista. Um homem alto, de cabelos grisalhos amarrados na nuca e mal-humorado
abriu a porta. A garota começou a explicar, mas o irritado violinista nem quis
ouvir.
─
Não quero saber de gatos! Não gosto de gatos! Me infernizam a vida! Fora daqui....
E bateu a porta com violência. A garota assustada com a reação do homem saiu
correndo na direção da casa de Rodrigo que ficara olhando pela janela.
─
Tenho certeza de que é ele o matador, disse ela, mas, como posso provar?
Enquanto tomava um copo d’água, para se
acalmar, Carla teve a ideia.
─
Rodrigo, se você descobrir o nome dele podemos checar na loja de plantas do
bairro se ele comprou algum veneno. No dia seguinte o garoto descobriu o nome
do violinista ao ver uma revista meio para fora da caixa de correio. Belarmino
Guedes, era o nome. Mais difícil foi Carla verificar se ele tinha comprado
veneno de rato. A dona da loja de plantas não lembrava de ter vendido. Desapontada,
a garota ia saindo quando o balconista a chamou:
─
Cara mal-educado e impaciente, lembro bem.... Comprou veneno de rato e quando eu
quis explicar os cuidados a tomar com o produto o desaforento disse não
precisar de lição como usar.
Carla e Rodrigo resolveram confrontar o
violinista. Armaram-se de coragem e na mesma tarde lá foram. Quando o músico
abriu a porta disseram imediatamente:
─ Sabemos que foi você quem
envenenou os gatos da Adélia e da Dona Feliciana. Se não confessar vamos à
polícia denunciar.
O homem tentou fechar a porta, mas os
dois impediram. Possesso, começou a gritar.
─
Não aguento mais os gatos! Malditos gatos! Quando começo a tocar, às vezes um, outras
vezes dois ou três se põem a miar e uivar no muro de casa. Estou ficando louco!
Quando eu era estudante meu professor dizia e repetia que eu só produzia o que
ele chamava de Katzenjammer. Em alemão
quer dizer uivo de gatos. Toda hora, era Katzenjammer! Por mais que eu me esforçasse
lá vinha... Katzenjammer! Podem imaginar? E agora vêm esses gatos malditos miar
no meu muro. Não aguento mais! Sempre os
gatos! E o violinista sentou na soleira da porta e começou a chorar. Não parava
de chorar e entre soluços balbuciava: eu sei tocar ... não é Katzenjammer...
odeio aquele professor... odeio gatos...!
Passado o primeiro susto, Carla e
Rodrigo olhavam até com certa pena o infeliz músico. Amedrontado, ele repetia:
─
Não vão chamar a polícia, não é? Não
posso perder meus alunos. Juro que não mexo mais com os gatos!
─
Vontade a gente tem, respondeu Carla. Você merece! É crime, sabe disso, não é? Só queremos que pare de envenenar os gatos....
Eles não têm culpa. Só respondem ao som do violino. Por que você não toca
viola?
Sem saber o que mais fazer ou falar e
nem esperar resposta do neurótico violinista, os dois jovens correram para a casa
de Rodrigo. Carla, amedrontada, esperou ainda algum tempo antes de voltar para casa.
Passou a dar uma grande volta para evitar passar pela casa do violinista. Porém,
Rodrigo, alguns dias mais tarde, a acalmou. Contou que o tal Belarmino de fato
passou a tocar viola. Nenhum gato vinha mais miar perto da casa e também nenhum
gato mais morreu na rua Mênfis.
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