Azuis demais
Ises
de Almeida Abrahamsohn
O criminoso subiu as
escadas já com a chave no bolso. Tinha recebido a chave pelo correio com as
instruções detalhadas. O dinheiro só receberia depois de feito o serviço.
Alguém importante tinha que se livrar daquela mulher incômoda. Escolheu uma
noite fria, garoenta com poucos
transeuntes na calçada em frente ao prédio. Usava uma capa de chuva impermeável,
afinal nunca se sabe, e um boné preto de aba larga caída sobre o rosto. Trazia
um saco de lona na mão e deixara o carro estacionado atrás do prédio.
Escolheu as escadas,
dois andares não era demais, pelo elevador seria arriscado. No hall deserto,
olhou mais uma vez em torno ao rodar chave na fechadura. Ouviu um sussurro Edgar, não faça barulho. Cuidado. A dona Zilda
tá de olho.
Antes que a mulher
tivesse tempo de gritar descarregou dois tiros no peito com a silenciadora.
Fechou a porta com o pé para amortecer o baque da vítima ao cair. Loira,
chegava a ser bonita, devia ter por volta de uns 45 anos, bem cuidada. Apenas
uma mancha de sangue no penhoar azul. Abaixou-se para verificar que ela parara
de respirar. Deu de cara com os olhos. Imensos, arregalados e azuis. De um azul
escuro, brilhantes, como ele nunca vira antes. Pareciam pintados como naquelas
estampas de santas dos calendários. Ia começar a virá-la para enfiar no saco de
lona quando ouviu a porta do apartamento ao lado se abrir e escutou a voz.
Devia ser a tal vizinha intrometida. ─ Zuleide, tá tudo bem?
Escapou pela porta dos
fundos deixando o cadáver ali mesmo. Melhor do que arriscar ser visto pela
abelhuda. Nem sabia se iria receber a grana sem ter dado sumiço no cadáver.
Entrou no carro e poucos minutos depois já dirigia pelas ruas desertas. Não
conseguia esquecer os olhos azuis da tal Zuleide. Chegou finalmente ao túnel
Lagoa- Barra. Metade das luzes apagadas . Praguejou. Tinha medo de ser
assaltado, tudo vazio a essas horas.
Olhava para os lados ansioso. A
malandragem se escondia nas sombras e jogava tijolos para parar os carros. Foi
quando começou a ver. Luzes azuladas nas laterais. Enfim, estão pondo
iluminação decente no túnel. As luzes iam ficando mais azuis. Não eram luzes.
Eram olhos azuis . Enormes, brilhantes, os olhos da Zuleide. Alucinação! Deduziu ele. Decidiu olhar para a frente e concentrar-se no caminho. Daqui a pouco acaba o túnel. Piscava, piscava, mas os
olhos luminosos lá permaneciam assustadores. Olhou para frente e viu a luz
branca do fim do túnel. Acelerou. Ouviu o estrondo quando bateu no caminhão.
Antes de apagar de vez só via aqueles olhos azuis. Tão azuis.... Azuis demais.
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