A CIDADE SEM CAIXA ELETRÔNICO*
Jeremias Moreira
Saiu nos jornais que os bancos da minha cidade desabilitariam
seus caixas eletrônicos. Fui dominado por uma onda de contentamento e orgulho, senti
como se a notícia falasse sobre mim. E não podia ser diferente, pois eu atuara
nas ações que motivaram tudo isso.
Certo dia o Boca de Sapo e o Serelepe me convidaram para uma
treta. Eles iam explodir os caixas eletrônicos de dois bancos. Precisavam de
alguém que dirigisse rápido. Bem, modéstia a parte, atrás de um volante eu sou
um corisco, faço o carro voar. Apesar disso, falei:
− Cêis tão maluco! Os meganhas não vão sussegá enquanto não
metê a mão na gente!
− Que nada! Vão pensá que é bandido de fora. Quadrilha
organizada, experiente!
No começo vacilei, mas depois de muita insistência deles, me
convenci.
Topei e foi assim que me meti nessa. Imediatamente partimos
pra ação.
Naquela noite explodimos os dois caixas. O do banco da praça
e o do que fica na Rua do Comércio.
No dia seguinte a notícia saiu na primeira página do jornal
da cidade e em outros da capital. Boca de Sapo sabe das coisas! Assim como
previra as notícias diziam que as explosões eram obras de “quadrilha bem
organizada”. Mal sabiam que três gatos pingados, da periferia local, que
fizeram o serviço.
Bem, o segredo era deixar a grana guardada e não sair dando
bandeira. Foi o que combinamos. Mexer na bufunfa, só depois de um bom tempo!
Os bancos repararam os estragos, consertaram tudo e na
semana seguinte os caixas estavam lá, como se nada tivesse acontecido. Aí que
entrou a genialidade do Boca.
— Tem que ser hoje! Ninguém espera outro lance tão cedo. O
negócio é pegá todo mundo de calça na mão!
E assim foi. Nessa mesma noite estouramos os caixas de
quatro bancos. O maior bizú, foi um perereco, saiu no rádio, nos jornais, até
na televisão. Virou a notícia mais comentada. A população cobrava mais ação da
polícia, do prefeito, das autoridades. Exigiam maior segurança.
E, foi aí que os bancos decidiram que não mais teriam caixas
eletrônicos por aqui. Quem quisesse retirar dinheiro teria que ir à cidade mais
próxima, que tem efetivo policial maior e dá mais segurança à população.
Para decidir o que fazer ante a nova situação nos reunimos.
Boca de Sapo, sempre com sua sabedoria, vaticinou:
— Claro que a gente pode ficar de butuca, na marcação de
quem utiliza os caixas eletrônicos. Quando eles forem retirar dinheiro na outra
cidade, a gente espera pela volta deles, na estrada, e assalta. Porém, tem uma
coisa, tirar a erva do banco é diferente
de render o Zeca Padeiro, a dona Zizinha, da Loja Popular ou o Juca da Farmácia
e tirar o dinheiro deles. A gente é bandido, mas tirar do povo é demais, né!
Eu e o Serelepe demos razão a ele. Então, acordamos em dar
um tempo.
Talvez, pesquisar e entender como era a vigilância na cidade
maior e dar o golpe lá.
Por outro lado, com nossa grana no sossego, só de saber que
tinha alguma reserva a gente sentia certa tranquilidade. O Boca até pensou em
aplicar nesse tal de CDB, que dizem ser um bom negócio, mas aí poderia ser
muito bandeiroso. Então, o melhor era deixar quieto. Foi o que combinamos!
O problema foi o Serelepe - cujo apelido é pura ironia
porque o sujeito é o maior lerdo - que resolveu ser rápido justo agora. Sentiu
cosquinha na mão, se antecipou, saiu gastando feito sheik das arábias. Acendeu
o neon e os alcaguetas, que estavam antenados, sacaram na hora.
Não deu outra, baixou a cana! Artigo157!
E aqui estou eu, vendo tudo isso acontecer de trás das
grades.
*Manchete do caderno “Cotidiano”, do
jornal Folha de São Paulo, sábado, dia 27/08/2016, “APÓS ATAQUES, BANCOS FECHAM
CAIXAS, E CLIENTES VIAJAM PARA SACAR DINHEIRO”.