OSSOS
DO OFÍCIO
Jeremias
Moreira
Na
quinta feira o Tocha e o Leco me desafiaram para uma partida de sinuca. Só
mesmo dois otários como eles arriscarem-se a jogar contra mim. Mas, tudo bem! A
grana é deles e não tenho nada a lamentar quando surge uma baba como essa.
Marcamos para a manhã do dia seguinte, no bar do Arnoni, onde tem seis mesas de
bilhar. As melhores da cidade.
Acordei
tarde, perdi a hora e saí em disparada. Quando passava pela casa do Dr.
Bernardo, vi que a família saia de viagem. Notei que o Sportge estava atolado de
bagagem. Sinal de que passariam o final de semana fora.
Registrei
num relance, mas não era assunto para a ocasião. Dentro de instantes me ocuparia
em depenar dois patos.
Dito e
feito! A manhã não poderia ser mais proveitosa. Adotei a técnica engana migué. Vez ou outra você perde uma. Isso
deixa os trouxas entusiasmados e eles vêm com tudo. Nessa hora a gente dá o
bote. E assim vai levando. Quando os
patetas se deram conta, eu já tinha ganhado uma boa grana.
Cumprida
essa primeira tarefa do dia, voltei a focar na viagem do médico e na casa que
estaria vazia por alguns dias.
O Dr
Bernardo é muito bacana. Tratou da erisipela bolhosa, que tive na perna, e nem
me cobrou. Isso me fez pensar um pouco se não era sacanagem invadir a casa dele.
Porém, se trata de assunto de trabalho e não dá pra misturar com amizade. Minha
conduta é profissional! Deu moleza, vou na goela! Coerente, tomei a decisão! À
noite entraria na casa!
Não deu
outra. Esperei escurecer e pulei o muro, evitei a fiação do alarme e fui direto
ao vitrô da copa, que sempre são os mais fáceis.
Esgueirei-me
pelo vão estreito e num zás-trás estava dentro.
Percebi
que o estômago roncava de fome, então fiz uma visita à geladeira. Havia um
pedaço de uma torta de frango e uma travessa com manjar de laranja, pela
metade. Acabei com os dois.
Satisfeito
fui para sala. Peguei algumas peças de prata e uma montanha de CDs. Coloquei
tudo dentro de uma mochila.
Eu deveria
me dar por satisfeito e ir embora. Porém, quando é muita moleza fica difícil a cabeça não entende que
é hora de parar.
Resolvi
conhecer a casa. Muito bacana. Fiquei de queixo caído com os quartos. Bonitos
demais e cada um com seu banheiro. A suíte do casal era maior que a minha casa.
E a cama então? Supermacia!
Resolvi
tirar uma soneca. Foi o maior erro. Acordei com vozes que vinham da parte de
baixo.
Ferrado
no sono e não percebi que amanhecera.
E lá
estava a Rita, a empregada, que chegara para a faxina e trouxera o filho. Um
negrão peso pesado, que eu conheço aqui do pedaço. Seu nome é Valdir, mas é
conhecido como Cachorro Louco, de tão esquentado!
Ela
percebeu a louça suja sobre a bancada e depois viu o vitrô aberto e deu o
alerta:
− Meu
Deus! Entrou ladrão na casa!
Pego de
surpresa, fiquei sem ação. O quarto ficava no andar superior. Se eu pulasse
poderia me estrepar todo por causa da altura. Também não queria enfrentar o
Valdir. Estava vacilando e o tempo
jogando contra.
Indeciso,
ouvi o ruído da maçaneta, a porta abrindo e a figura do negrão ocupando todo o
vão do batente.
O
Valdir me encarou com cara de “vou te estrangular”. Eu olhei para ele com cara
de cachorro na chuva e fiz a única coisa que me ocorreu. Um sinal apontando a
mochila.
Lentamente
ele virou-se, viu a mochila e refletiu um pouco. Virou-se para mim, estendeu uma
mão espalmada. Com a outra, como se fosse uma faca, bateu duas vezes na
estendida.
Concordei
na hora!
— Ninguém
aqui em cima! Os gatunos já deram no pé faz tempo!
Desceu
e levou a mãe consigo para olhar nos fundos da casa.
Era a
deixa! Aproveitei e me mandei pela porta da frente!
Mais
tarde nos encontramos e o Valdir quis a parte dele em dinheiro.
— Vai
ter que esperar eu vender ou aceitar duzentas pilas, que é o que tenho agora!
— Aceito
os duzentos!
Ô soneca cara! Ainda bem que ele optou por
receber adiantado, senão ia me custar metade do butim. Mas fazer o quê? Toda
profissão tem seus contratempos.
São os
chamados “ossos do ofício”!
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