Nunca é tarde
José
Vicente J. de Camargo
A
casa está em festa, toda iluminada. Flores ornam as mesas e os peitoris das
janelas pontilhando o ambiente de cores frescas e vivas, marcando o ar com
discreto perfume. Uma música suave de
fundo contrasta com o burburinho de vozes alegres e de olhares que se cruzam a
procura de outros conhecidos. Sorrisos abraçam e beijam a saudades entre aqueles
que o tempo separou em diferentes caminhos, mas a lembrança no coração, adormecida
ficou.
Garçons
transitam no zigzag dos convivas, carregando as bandejas de taças borbulhantes
à espera de mãos acolhedoras. Garçonetes atenciosas oferecem canapés que os
olhos apaixonam e o paladar aguçam na expectativa da degustação.
A
empolgação se anima e abraça os convivas num clima contagiante de alegria,
ritmo e sabores.
Lá
pelas tantas, varando a madrugada, uma voz se faz ouvir, pedindo atenção para um
brinde de comemoração.
Ao
lado da esposa, Ulisses agradece a presença de todos, e recorda que há cinquenta
anos, numa noite fria, aquecido pela fogueira de São João, tão quente e em
brasa quanto seu coração e desejos, pediu a Eulália ser sua companheira na
alegria e na dor. E agora ali, percorrido o longo caminho nem sempre plano e
verdejante, sob sol e chuva, brisas e tormentas, juntos chegam, abraçados na
felicidade dos filhos, frutos dessa união fiel e harmoniosa que vingou e
frutificou, explodindo na alegria saltitante dos netos em polvorosa correria
pelos cantos da casa.
Com
olhos marejados, mirando a esposa, para surpresa da mesma, que se acostumara com
a sisudez romântica do marido, sempre avesso a caricias e juras de amor, declara
sua eterna paixão, levando seus lábios aos dela, tingindo-os de leve carmim.
No
meio das palmas e das aclamações de vivas, ela lhe balbucia ao ouvido:
−
Cinquenta anos de espera por essas palavras que tanto almejei escutar. Por quê?
− Porque só o tempo é
capaz de compreender um grande amor...
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