PROCURANDO
LONGE O QUE ESTA PERTO
Oswaldo U. Lopes
A discussão toda começara com a ideia de que para fazer
turismo era preciso viajar para lugares distantes. Antônio e Cândida se
opuseram ao conjunto dos outros seis e firmaram pé, é possível.
Procurar longe
o que está perto desafiaram e ainda empregaram a palavra serendipidade é o que
vamos fazer se vocês não acreditam. O Taj Mahal fica virando a esquina e vamos
prová-lo.
Bem, até ai
foi fácil. Difícil foi passar do ato ao fato. Decidiram todos que o mundo
acabava aos 60 km de distância do Marco Zero de São Paulo, aquele da Praça da
Sé.
— Embu não
vale! - gritou Berenice.
Como o grupo
era todo chegado a viajar começou uma rodada de vale não vale. Os quatro casais
adoravam viajar e já o tinham feito a perder de vista. Engraçado, a regra era:
Mais de dois é mil, quer
dizer não iriam nunca em grupos nem de quatro, sabiam e praticavam a ideia que mesmo
indo em dois e casados, às vezes a coisa esquenta, imagina em oito. Reuniam-se
toda quinta-feira para falar de viagens ou coisas afins. Preferiam a
quinta-feira porque na sexta ficava tudo cheio inclusive o boteco.
A bem da verdade, chamar de boteco aquele
lugar amplo e charmoso era mais por petulância do que por realismo. Berenice
achava que apesar do chops ótimo
tirado com glória e dos petiscos excelentes, sobressaindo a carne frita e a
coxinha tão em moda ultimamente, o lugar era machista. Olhando em volta você ia
ver muito mais moças do que rapazes,
quer dizer, era implicância dela. Explica-se, no banheiro numa porta
estava escrito Blá e na outra havia dezenas de Blás espalhados pela porta
inteira.
Nenhuma
outra indicação e mesmo assim nunca se registrara nenhuma confusão de gênero ou
uso inadvertido dos banheiros. Machismo ela confirmava implacável.
Enfim
resolveram que cada par podia indicar um lugar perto de São Paulo que não podia
ser utilizado pelo casal desafiante. La se foram: Embu, São Roque e Pirapora.
Também foi excluído tudo que era dentro da cidade de São Paulo que todos já
tinham explorado aos cântaros. Por isso Jardim da Luz e arredores, Convento da
Luz, Liceu de Artes e Ofícios, Ibirapuera e seus prédios, Freguesia do Ó,
estavam fora de cogitação.
Antônio e
Cândida pareciam ter nervos de aço olhando tudo aquilo com extrema
superioridade, esperando o momento certo para puxar o az da manga. E lá veio ele:
PARANAPIACABA
!
É claro que
não exibiram o az naquele momento, a aposta era percorrer um determinado
roteiro marcá-lo, fotografá-lo para que pudesse ser contestado ou seguido pelos
outros casais.
Marcada a
reunião para dai uma quinzena, numa quinta-feira é certo, encontraram-se para
ver o que o casal desafiante tinha feito e qual era o lugar serendipidado.
Começaram as
projeções fotográficas e o roteiro:
1-
Estrada
Guarujá São Sebastião. Não se preocupe de olhar para o mar, olhe para a
esquerda e entenda porque Dinah Silveira Queiroz chamou seu romance de: A Muralha.
É uma
pequena confusão, chamar de Serra do Mar, na verdade é um planalto de 800
metros de altura que se precipita para o raso do mar. É uma queda enjoada que
não tem brecha, não tem passagem não tem estrada.
A subida
para São Paulo foi sempre difícil o mais das vezes feita com mulas ou burros
carregados por caminhos íngremes e escorregadios. Quando a cultura cafeeira
explodiu nos meados do século XIX, havia motivação e dinheiro para tentar
alguma coisa. Quem era que entendia mais de estradas do que os ingleses? Foram
convidados e aceitaram. Criou-se a SPR (São Paulo Railway) e os ingleses
tomaram conta do alto do planalto e construíram desde habitações, vilas até
casa de máquinas e estações. O café vindo da alta Paulista, chegava a Jundiaí e
de lá a SPR por um engenhoso sistema funicular levava a carga ao porto de
Santos.
Agora
aparecia o segundo ponto do roteiro:
2-
Pela
manhã caminhada a pé ao longo da estrada Caminho do Mar com parada nos
principais pontos turísticos e visita aos que estiverem abertos:
Pode-se,
pela Via Anchieta, ir de carro até um amplo
estacionamento que marca
o inicio da estrada e de sua parte aberta a visitação, porém somente para
caminhantes.
Ao longo da
descida vamos ver a Casa das Visitas, o Reservatório do Rio das pedras, o Pouso
Paranapiacaba, o Pouso Circular, o Monumento do Pico, o Padrão Lorena, o inicio
da Calçada do Lorena, famosa estrada calçada de pedras que é a primeira estrada
pavimentada do estado de São Paulo, o Rancho da Maioridade e outros pontos
além, é claro, da incrível vista que se tem do mar.
Em cada
canto uma história, um nome a ser lembrado, a presença do homem e seus
desafios. Um trem que sobe e um que desce como se fosse um elevador em que um
conjunto sobe puxado pelo peso que desce. É possível ver fotografias do famoso
Serra Breque a máquina que deslizava morro acima e morro abaixo levando o café
para a exportação.
Os ingleses
sempre muito ciosos dos costumes e tradições locais mantiveram o nome de
Paranapiacaba que na linguagem indígena quer dizer lugar de onde se vê o mar.
Nos dias claros isso não só é verdade como é deslumbrante. Paraná é uma raiz
conhecida de palavras de origem indígena denotando sempre grande quantidade de água.
Ainda estão lá o alojamento dos casados de um
lado e o dos solteiros do outro, bem como a casa do mandachuva que vigiava e
impedia a passagem dos solteiros para o outro lado. O local de moradia ficou
conhecido como Vila dos Ingleses e era regido por costumes e hábitos totalmente
ingleses.
A engenharia
moderna, o concreto foi tirando o lugar dos trens no transporte do café. A SPR durou de 1867 até 1946 quando terminou o
contrato da concessão e a estrada foi encampada pelo governo do estado. Outros
pontos de escoamento foram construídos e concorriam com o sistema criado pela SPR que
por fim foi desativado restando, no entanto, inúmeras lembranças, máquinas e
lugares para serem visitados.
A
inauguração da Via Anchieta em 1947, criou uma excelente rodovia que esta lá
ate hoje, mas antes disso era pelo Caminho do Mar que as cargas e automóveis
atingiam o litoral. Tomar um lanche no Rancho da Maioridade era um passeio
lindo para os felizes proprietários de um automóvel.
Ao fim da
exposição e da vista do maravilhoso conjunto de fotografias, tiveram todos que
dar parabéns ao casal Antônio e Cândida e a sua percepção de que era possível
fazer turismo e viagens de qualidade logo ali, virando a esquina.
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